Vida após a morte. Para quase todos nós, tais palavras compõem, no máximo, uma interrogação. Uma afirmação nesse sentido teria de, no mínimo, vir acompanhada de uma convincente explicação científica. Caso contrário, soaria como um desejo místico ou pregação religiosa. De tão polêmico, o assunto faz parte da história da humanidade desde seus primórdios. Quase todas as religiões contam com essa suposição como uma forma de dar conforto a quem está diante da morte. A ciência, porém, nunca se aventurou além da fronteira da vida. Por preconceito cartesiano ou excesso de escrúpulo, os cientistas sempre se referiram ao assunto com certo desdém. Para boa parte deles, seria uma área restrita à fé religiosa. Mas mesmo todo esse ceticismo não esconde a curiosidade do que poderia acontecer caso fosse provada a sobrevivência da alma ou da personalidade após a morte biológica. Tal possibilidade, entretanto, nunca apresentou tantas evidências como agora. Como se verá adiante, a chamada transcomunicação está conseguindo o que antes era apenas ficção de terror: mostrar que os mortos habitariam outra dimensão física e temporal, de onde podem se comunicar com os vivos. São evidências fortes e a ciência não consegue mais ignorar.
Um grupo ainda relativamente pequeno de médicos, engenheiros, psicólogos, músicos, donas-de-casa – pouco mais de 900 no Brasil e cerca de dez mil no mundo – está trabalhando para provar a existência de alguma forma de vida após a morte. Eles conversam com parentes e amigos mortos por meio de equipamentos eletrônicos. Diferente da chamada mediunidade (característica que distingue os que afirmam que têm contato com os mortos), praticada por espíritas, esse novo tipo de fenômeno permite uma análise pelos instrumentos da ciência.

A maior parte das pessoas – denominadas comunicantes, segundo o jargão utilizado pelo grupo – está reunida na Associação Nacional de Transcomunicadores (ANT) (www.geocities.com/ant-tci) –, fundada há dez anos pela escritora paulistana Sonia Rinaldi. “Temos a pretensão de fazer um trabalho científico”, afirma. “Mas esbarramos na falta de recursos financeiros”, completa, lembrando que a associação não cobra nada de seus associados nem das pessoas as quais ajuda.

A motivação das primeiras tentativas de contato não foi a curiosidade, mas a saudade e a dor da separação de alguém que morreu. Mais de 70% dos experimentadores, segundo Sonia, começaram a se interessar pelo assunto após a perda de pessoas queridas. Com a transcomunicação instrumental, nome dado ao fenômeno, todos obtêm conforto e alívio ao saber que aquelas pessoas estão bem. “A prova concreta de que eles (os mortos) vivem, sentem e falam transforma a dor em esperança”, diz Sonia em seu livro Contatos interdimensionais, lançado recentemente pela editora Pensamento. Um CD com dezenas de vozes paranormais acompanha a obra. Algumas dessas vozes foram copiadas com o consentimento da autora e podem ser ouvidas no site da ISTOÉ (www.istoe.com.br).
Para a minoria dos experimentadores, como é o caso da própria Sonia, não foi a dor o principal motivo que os aproximou da transcomunicação. Foi a simples curiosidade ou, então, o interesse científico. De acordo com os relatos de gravações feitas por Sonia e outros associados da ANT, a vida Lá, como a denominam, não é muito diferente do que nós conhecemos aqui. “Pelo que eles nos contam, você continua comendo, dormindo, trabalhando e até viajando, mas tudo em outra dimensão”, conta Sonia.

Estou aqui – O interesse da terapeuta de vidas passadas Rosa Alves de Faria Almeida por transcomunicação instrumental começou com a dor. Sua mãe, dona Júlia, havia acabado de morrer quando recebeu a primeira mensagem endereçada a ela, em 12 de dezembro de 1998. “Eu falei que queria falar com a minha mãe, mas não pude esperar para ouvir a resposta”, diz. Estava indo ao hospital visitar o pai, que estava internado. Na mensagem, que Rosa só ouviu após a morte do pai, ocorrida cinco dias depois, a voz de sua mãe dizia: “Eu estou aqui, minha filha. Está tudo bem. Já preparei o meu velho.” Depois dessa, Rosa não parou mais de tentar o contato com o Além. “Já falei com quase todos os meus parentes e amigos falecidos”, conta.
O difícil foi convencer os filhos da existência do fenômeno. Isso só aconteceu depois que Hugo (nome fictício), um conhecido da família, aceitou fazer um experimento durante uma visita a Rosa em São Paulo. No final da gravação, uma voz masculina dizia: “Nunca deram um filho para o meu filho.” Hugo, o único a entender a mensagem na sala, começou a chorar. Era a voz de seu pai, uma das únicas pessoas que sabiam que o filho que todos acreditavam ser de Hugo era, na verdade, adotado.

Projeto – O caminho para se chegar a uma prova científica desse suposto fenômeno não é fácil. Primeiro, é necessário provar que ele é real, ou seja, que distúrbios elétricos não esperados ocorrem em dispositivos eletrônicos. Para isso, seria preciso construir um laboratório especial com blindagens eletromagnética e acústica à prova de quaisquer interferências externas, como sinais de rádio e sons ambientais. Caso o primeiro estudo conclua que realmente há interferências de causas desconhecidas ocorrendo em equipamentos eletrônicos, ele deve ser publicado em uma revista científica de renome internacional – como a Nature, a Science ou a Scientific American – para que possa receber críticas da comunidade científica internacional. A conclusão teria, então, de ser comprovada em outros laboratórios. Só assim, com o tempo, seria aceita como verdadeira.
Mais: se o objetivo é mostrar que as vozes realmente vêm do suposto mundo dos mortos, os sons atribuídos a eles teriam de ser comparados com a voz dos mesmos indivíduos quando vivos. Isso exigiria um grau de clareza e altura raros nas vozes registradas pelos experimentadores.
Cabral Jr. diz que poderia propor um projeto nesses moldes para pesquisar o fenômeno, se houvesse financiamento. Ele calcula em cerca de R$ 4 milhões os investimentos necessários para a construção e manutenção por dois anos de um laboratório nas configurações ideais. O que envolveria a aquisição de sofisticados equipamentos eletrônicos, computadores e a montagem de uma equipe técnica com cientistas das áreas de engenharia e física.

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Mente – É fato que grande parte dos cientistas é materialista, ou seja, não acredita no que está sendo chamado hoje de sobrevivencialismo – ou vida após a morte. Caso uma pesquisa prove que as vozes realmente são manifestações de pessoas mortas, as consequências seriam revolucionárias. Os cientistas, antes de tudo, teriam de imediatamente aceitar a hipótese de que a mente e o cérebro são duas coisas distintas. Quando o indivíduo morre, o cérebro pára de funcionar e, logo em seguida, se decompõe. O que os experimentadores em transcomunicação instrumental sugerem é que algo, chamado por alguns de mente por outros de espírito ou consciência, sobrevive de forma independente à morte do corpo físico, mantendo a personalidade do indivíduo.

O próprio pesquisador conta que está concluindo uma teoria em que procura explicar todos os fenômenos paranormais. Concebida inicialmente para a área de robótica humanóide, o objetivo da teoria é, primeiramente, desenvolver robôs inteligentes, providos de emoção, um certo livre-arbítrio e, o mais impressionante, capacidades ditas “anômalas”, como a possibilidade de a mente do robô ser preservada mesmo sem o seu cérebro (hardware). “Tudo isso vai ser implementado via software”, explica Cabral Jr. Muito resumidamente, a teoria do pesquisador afirma que existem unidades de consciência geradas pelo ser humano que sobrevivem à morte do corpo físico. Essas unidades, que preservariam a personalidade do indivíduo quando vivo, é que interfeririam nas gravações dos experimentadores de TCI.

Foto: Ricardo Giraldez

Pais de Rosa, mortos em 1998, costumam falar com a filha

Participação – O assunto promete muita polêmica no meio científico. “O homem de ciência, muitas vezes, não acredita nem no que vê, mas só no que pode ser comprovado na ponta do lápis”, diz o astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, diretor do Observatório Astronômico do Rio de Janeiro e um dos cientistas mais conhecidos da opinião pública. “Eu só acreditaria na existência da alma se fosse possível comprová-la por meio de instrumentos científicos”, afirma.
Mourão concorda que há em seu meio bastante preconceito em relação aos fenômenos ditos paranormais. “Mas acho isso um erro. Temos de participar ao máximo dessas discussões”, afirma. Segundo ele, essa é a melhor forma de evitar a proliferação de interpretações falsas e forçadas. Apesar de se considerar um cético e não crer em teses de sobrevivencialistas, Mourão diz que participaria de qualquer pesquisa que estudasse a hipótese de vida após a morte.

E é verba o que falta na Associação de Transcomunicação Instrumental. Não há dinheiro em caixa para nenhum experimento científico mais elaborado, afirma a fundadora Sonia Rinaldi. Atualmente, a entidade está contando com um apoio que não deve chegar a R$ 10 mil da Legião da Boa Vontade (LBV). A instituição ecumênica, defensora da existência da vida após a morte, está patrocinando uma análise de 100 fitas com vozes paranormais. As gravações serão analisadas por estudantes e engenheiros recém-formados da USP para depois serem apresentadas no I Fórum Mundial Espírito-Ciência, que ocorrerá em outubro, em Brasília. O encontro reunirá cientistas de renome internacional, como Amit Goswami, um dos físicos mais respeitados do mundo, que estuda a sobrevivência da consciência fora da matéria. Virão também Ed Mitchell, um dos primeiros astronautas americanos a pisar na Lua, Patrick Druout, físico francês e pesquisador de tradições indígenas, e Pavel Popovic, segundo cosmonauta russo a ir ao espaço, entre outros. “O foco do fórum é a existência do espírito”, diz Paulo Alziro, um dos organizadores do evento. “O assunto é pouco discutido do ponto de vista científico, mas é algo que não pode mais ser adiado.”


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