A médica paulista Rachel Soeiro, 35 anos, acaba de chegar da Guiné, na África Ocidental, um dos três países do continente que estão enfrentando o pior surto do vírus ebola da história – os outros dois são Libéria e Serra Leoa. Integrante da organização internacional Médicos Sem Fronteiras, ela ainda guarda na mente as imagens e as emoções pelas quais passou durante os dias em que atendeu 21 pacientes e viu cinco deles morrerem, entre os quais um bebê. Apesar de ter estado no ambiente infectado pelo vírus mais letal do mundo, Rachel garante que não teve medo. “Queremos cuidar do paciente, dar medicação, examinar do jeito que dá”, diz.

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RISCO
O médico americano Kent (acima) foi infectado pelo vírus enquanto fazia
o atendimento a pacientes na Libéria. Khan (abaixo), maior especialista
de Serra Leoa no combate ao vírus, morreu após a contaminação

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O relato da brasileira é exemplar. Dá a dimensão do desprendimento e empenho de profissionais de saúde que superam o medo de se contaminar e se mantêm fiéis à vocação. Nesse novo surto de ebola, casos assim ficaram patentes. Infelizmente, nem sempre com um bom desfecho. No domingo 27, morreu vítima do vírus o médico Samuel Brisbane, que trabalhava para conter a epidemia na Libéria. Na terça-feira 29, o médico Sheik Omar Khan – o maior especialista no combate ao ebola em Serra Leoa – também faleceu, infectado. Antes, ele havia tratado mais de 100 pacientes. E o médico americano Kent Brantly permanecia internado, contaminado.

Em tempos de epidemia, aqueles com maior risco de infecção são justamente os profissionais da saúde, familiares e outras pessoas em contato próximo com doentes e pacientes falecidos. E é isso o que se está vendo na África nas últimas semanas. Estima-se, por exemplo, que mais de 60 profissionais da saúde morreram até agora.

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COMBATE
Em Serra Leoa (acima), médicos levam comida a pacientes
mantidos em isolamento. Na Guiné, hospital onde estão
doentes contaminados, em quarentena

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O agravante, porém, é que médicos, enfermeiros e voluntários estão enfrentando, desta vez, um surto de ebola sem precedentes. Até sexta-feira 1, mais de 1,3 mil pessoas haviam sido infectadas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) – 729 morreram. Serra Leoa anunciou o fechamento das escolas. Na Libéria, foi declarado estado de emergência. A notificação de casos em Lagos, na Nigéria, deixou o mundo ainda mais preocupado. O temor é que, tendo chegado a uma grande cidade, o vírus se espalhe.

Segundo Margaret Chan, diretora da OMS, ele pode se propagar sem controle e causar perdas humanas catastróficas. “A resposta a seu avanço foi inadequada. O Ebola está se propagando mais rápido do que os esforços para controlá-lo”, afirmou na sexta-feira 1º. Estados Unidos, Europa e Ásia permaneciam em alerta. No Brasil, a ordem é acompanhar com cuidado casos de viajantes que desembarquem com febre ou diarreia. Recomenda-se que viagens não essenciais às regiões atingidas sejam adiadas.

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Para médicos como Rachel, Sheik, Kent e Samuel, porém, o tamanho da epidemia não assusta. Ao contrário, estimula a contribuir para soluções. No caso da epidemia de gripe H1N1, foi a mesma coisa: diversos profissionais de saúde envolveram-se tanto que acabaram infectados. “Na China, quando houve o surto da chamada pneumonia asiática, muitos médicos também terminaram contaminados”, lembra Eduardo de Medeiros, da Sociedade Brasileira de Infectologia. “Os profissionais seguem princípios filosóficos e bioéticos, integrantes dos compromissos vocacionais assumidos, e que os fazem superar até o medo da morte”, explica Carlos Vital, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina.

No entanto, colocar intencionalmente a vida em risco, como acontecia em tempos remotos, quando os cientistas usavam o próprio corpo para testar seus experimentos, está fora de questão. “O médico tem a obrigação de preservar o próprio organismo”, adverte Vital. Mas, apesar de existir protocolos de segurança criados para proteger a vida de quem cura, acidentes acontecem. “Você pode eventualmente se contaminar no laboratório”, lamenta Edmilson Migowsky, chefe do Serviço de Infectologia Pediátrica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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Fotos: Joni Byker/Samaritan’s Purse/AFP; Umaru Fofana, Tommy Trenchard – Reuters; Cellou Binani/AFP