O que você vai ser quando crescer? A pergunta, antes tão comum na conversa com as crianças, hoje é cada vez mais difícil de responder. Afinal, as opções se multiplicaram e as exigências também. A idéia de entrar numa empresa como office-boy (aquele teen que fazia os serviços gerais no escritório) e virar gerente, diretor e até presidente num período de 30 anos foi esquecida. Cursar uma boa universidade é importante mas só ela não garante uma boa colocação no mercado de trabalho. Hoje fala-se em ocupações e não em profissões. Um médico deve ser também um homem de marketing, assim como um biólogo deve conhecer administração. Como seus automóveis e eletrodomésticos, o homem da “nova era” precisa fazer uma revisão a cada dois anos. Reciclar-se e aprender sempre. E é nos ombros dos jovens que toda essa exigente esperança está colocada.

O momento causa espanto. Não é à toa que a Companhia de Talentos, empresa que faz recrutamento e seleção de jovens para grandes empresas e multinacionais, topou com um resultado assustador no seu banco de dados. No ano passado, dos cerca de 70 mil candidatos entrevistados em todo o País, menos de 1% correspondia ao perfil desejado pelas empresas. A conclusão provoca duas linhas de análise: ou os jovens brasileiros estão muito mal formados por suas famílias e escolas ou as empresas querem um candidato tal qual as donzelas dos contos de fadas suspiram por um príncipe encantado. Ou seja, miram seus desejos fora da realidade e fazem uma seleção como se estivessem na Suíça. Isso num país de muitos desempregados. Dados do Sistema Nacional de Emprego (SINE) do Ministério do Trabalho mostram que dos 1,7 milhão de jovens de 18 a 29 anos que passaram pelo órgão em busca de emprego, no ano passado, apenas 116 mil (6,6%) conseguiram colocação.

Na verdade, as duas análises têm sua razão de ser. “Às vezes as empresas exageram. A realidade do Brasil é complexa. Não dá para exigir tanto quando aqui se fazem esforços absurdos para poder estudar. Mas também faltam ao jovem comprometimento e maturidade. O que pega não é a formação técnica, mas o preparo emocional”, analisa Sofia do Amaral, diretora da Companhia de Talentos e coordenadora da pesquisa. Para trocar em miúdos, podemos dizer que as grandes empresas já partem do princípio de que os candidatos são capazes tecnicamente (entenda-se: têm uma boa faculdade e dominam inglês e informática). São observadas, portanto, habilidades pessoais como determinação, flexibilidade, clareza de raciocínio e expressão, espírito de equipe e de liderança, desenvoltura, iniciativa, disposição para aprender sempre e ensinar. E, ainda por cima, o candidato deve estar afinado com os valores da empresa. Ufa! Realmente não é fácil fazer parte do time dos jovens bem-sucedidos e sortudos.

Que o diga Letícia Augusto, 25 anos, líder sênior de operações da American Express. Para conseguir atingir a atual posição, ela batalhou muito. Formada em Administração de Empresas pela PUC-SP, participou de 12 processos seletivos. “Percebi que ninguém é perfeito para todas as empresas. Saber disso é importante para não abalar a autoconfiança”, afirma a estudante. O que parece demagogia é um princípio que Letícia levou a ferro e fogo. “Fiz terapia em quatro dos cinco anos da faculdade para me conhecer melhor. Mas nem todo mundo pode fazer o mesmo”, observa. Em 1999, ela conseguiu seu sonho: ser trainée da American Express. Letícia já havia trabalhado antes, mas queria entrar na multinacional. “Pedi demissão de um emprego para estudar. Durante seis meses li todas as revistas e jornais que vi pela frente”, ressalta.

Os programas de trainée das grandes empresas são muito disputados. Na American Express, a procura duplica a cada ano. Também, pudera! O salário inicial é de R$ 2,2 mil. No ano passado, foram 5.600 candidatos para 15 vagas. O domínio do inglês e da informática serviu de baliza para o primeiro corte. A partir daí, o número de aspirantes caiu para 1.200. Na segunda etapa, foram escolhidos os 500 com melhor formação escolar. Mais dois testes de conhecimentos gerais fizeram o número baixar para 40. “Essas pessoas deveriam fazer uma apresentação completa de seus ideais, dizer quem eram e por que queriam trabalhar aqui. Escolhemos os afinados com os nossos valores: respeito, dignidade e interesse geral”, explica Sérgio Nery, um dos gerentes de recursos humanos da empresa. A peneira é tão fina que se chega ao absurdo de ficar com vagas ociosas, como aconteceu com a Natura no ano passado. “Tínhamos 21 vagas. Só 14 foram preenchidas, apesar dos 8.088 candidatos”, diz Flávio Pesiguelo, gerente de recursos humanos.

Queixas – Esse cenário exigente se transforma num bicho-papão para a moçada que busca o primeiro emprego. A impressão aparece claramente em uma pesquisa feita em abril pela ISTOÉ com inscritos no Núcleo Brasileiro de Estágios – Nube, organização que faz orientação e pré-seleção de estagiários. A maioria dos 100 entrevistados – 78% – acredita que está difícil arrumar emprego e 50% se queixam de as vagas exigirem experiência. Um deles cita, por exemplo, uma instituição financeira que pedia um candidato de até 25 anos que tivesse trabalhado em pelo menos cinco bancos diferentes. É contraditório pensar que alguém com talento tenha passado por tantos empregos significativos com essa idade.

A pesquisa de ISTOÉ também mostra que o monstro tem cinco cabeças e costuma aparecer com frequência nas tão faladas dinâmicas – um jargão empresarial que serve para definir uma reunião de apresentação ou um jogo de avaliação. As duas maiores e temidas cabeças dessa fera são a já mencionada falta de experiência e o medo de não corresponder ao perfil procurado (citado por 30% dos candidatos a estágio). As outras três são: enfrentar a concorrência (16%), a própria entrevista (8%) e o nervosismo (6%). Como todo bicho fantasioso, esse monstro ganha vida e força com o despreparo técnico, psicológico e pessoal.

O estudo feito pela Companhia de Talentos, que garimpa seus candidatos nas melhores universidades do País, captou as dimensões dessa falta de preparo. O domínio da língua inglesa, por exemplo, é um empecilho para 50% dos estudantes. Heidi Sanches, 20 anos, sente-se injustiçada sempre que o assunto é a tal língua da globalização. “Por não ter fluência, muitos como eu não têm chance de mostrar sua capacidade”, lamenta. E bota força de vontade nisso. Moradora de Santa Fé do Sul, pequena cidade do interior de São Paulo, ela percorria 220 quilômetros por dia para fazer a faculdade de Comunicação Social no Centro Universitário de Votuporanga.

Heidi mostra determinação, o que contraria a idéia corrente de que a turma de menos de 30 anos é desinteressada. A questão é que muita gente se deixa levar pelo ar displicente dos jovens. Um comportamento que, segundo os psicólogos, serve como uma capa protetora. Eles fazem o tipo “não estou nem aí” para esconder o nervosismo e a insegurança. “Quando sente que não está preparado, o jovem corre atrás, sim. Faz cursos e procura se qualificar. O que precisa é ser bem orientado”, atesta Sylvana Rocha, gerente educacional do Centro de Integração Empresa e Escola (CIEE), que trabalha com orientação e colocação de estagiários. Ela acha que o jovem deve criar um plano de carreira desde o início da faculdade e ter claro o valor do estágio. Quando bem escolhido, é a verdadeira escola de um profissional de sucesso.

Nem sempre o jovem sabe como se portar numa entrevista. Muitos pensam estar no recreio da escola. Se jogam na cadeira como se estivessem cansados ou desanimados. “Às vezes, chegam aqui com um amigo. Colocamos cada um numa sala para que não fiquem com brincadeirinhas”, afirma Seme Arone Júnior, do Nube. Certa vez, conta ele, um casal de namorados ficou aos beijos na sala de testes. Nessa agência, os estudantes se cadastram pessoalmente ou pela internet e marcam um primeiro encontro só para apresentação. O objetivo é dar-lhes um choque de realidade. “Ao se depararem com os outros, eles percebem as mancadas. Melhor que isso aconteça aqui do que na empresa”, explica Seme.

As mancadas a que ele se refere vão de decotes ousados a timidez excessiva ou alto tom de voz. Felipe Vallini, 17 anos, que compareceu ao Nube há um mês, por exemplo, logo percebeu que tinha “pisado na bola”. Chegou lá de boné e tênis. “Trabalhei na loja da minha mãe mais de três anos. Me vestia socialmente porque sabia que impunha respeito, mas bobeei”, admite.

Ajuda – O bicho pode ser grande, mas não é invencível. É preciso analisar o inimigo e estabelecer uma estratégia de combate. O primeiro passo é esquecer a vergonha e o medo – nem que seja preciso apelar para o analista, como fez a determinada Letícia, da American Express. Pense que mesmo os bem-sucedidos passaram pelo nervosismo do primeiro emprego. Ao sair da casca, é natural que as pernas fraquejem. Admita seus pontos fracos e busque melhorá-los – se você achar que não tem nenhum, preocupe-se: a arrogância é uma das formas mais perigosas de auto-sabotagem .

Agarre qualquer oportunidade para diminuir a distância entre o seu mundo e o profissional. Há sites pelos quais se pode fazer e mandar currículos, mas o importante é colocar a cara para bater. Entidades como o Nube e o CIEE ajudam. Criado há 37 anos, o CIEE tem 179 unidades espalhadas pelo Brasil e faz parceria entre empresas e escolas. A instituição detecta as falhas dos jovens e cria workshops para saná-las. Agilidade, inteligência emocional e liderança são temas de alguns deles.

Esses cursos existem para preencher a lacuna entre os bancos escolares e as mesas de trabalho. Segundo Viviane Massa, uma das supervisoras do CIEE, se a escola desenvolvesse essas habilidades, evitaria a baixa auto-estima do jovem quando ele fracassa em vários processos seletivos. Em todo o Brasil, há 150 mil jovens fazendo estágio por meio do CIEE e cerca de 500 mil esperando uma vaguinha. Vá também atrás da sua.

Colaborou Celina Côrtes (RJ)

Evite a auto-sabotagem

Não espere a formatura. Procure estágio logo no início do curso
Aprenda português. Erros grosseiros aniquilam qualquer candidato
Apresente-se de unhas cortadas, cabelos limpos, barba feita, sapatos engraxados e, de preferência, traje social. Deixe boné, tênis e roupas chamativas embaixo da cama
Mantenha a postura. Não se esparrame na cadeira
e evite falar alto
Informe-se sobre a empresa. Saiba o que ela produz, seu desempenho e planos de expansão

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