O presidente Fernando Henrique Cardoso acabou ficando no meio do chumbo grosso trocado entre o presidente do Congresso, senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), e o líder do PMDB no Senado, Jader Barbalho (PA). As cartas de ACM e de Jader requentam velhas denúncias e chamam mais atenção pela munição contida nos post-scriptum. Numa tentativa de ampliar a fuzilaria para sair da desconfortável condição de político isolado até em seu próprio partido, o xerife baiano aproveitou o “P.S.” de sua carta para colocar no meio do salão o conterrâneo Geddel Vieira Lima, líder do PMDB na Câmara. A rigor, nada de novo: a notícia de que, nos últimos anos, o deputado peemedebista comprou várias fazendas na Bahia já havia sido dada por ISTOÉ em setembro do ano passado. O troco de Jader foi dado com munição pesada. No texto principal questiona a lisura do ministro das Minas e Energia, Rodolpho Tourinho, que, a pedido do padrinho Antônio Carlos, estaria beneficiando a empreiteira OAS. A construtora é do genro de ACM. Mas é também no “P.S.” que Jader dá uma canelada no senador baiano: conta que ele teria uma casa na paradisíaca Porto Seguro para presentear a filha de um desembargador baiano. ACM ouviu o burburinho sobre o que continha a carta de Jader e convocou uma entrevista coletiva na qual pretendia bater pesado em seu adversário.

Informado sobre a disposição bélica dos dois lados, Fernando Henrique avaliou que não dava mais para continuar assistindo de camarote ao festival de baixarias em seu quintal. Mandou o ministro-chefe da Casa Civil, Pedro Parente, telefonar para ACM e pedir ao cacique que não agravasse ainda mais a situação cuspindo fogo contra Jader na conversa com jornalistas. O presidente pediu uma trégua para que, nos próximos dias, possa entrar em campo e intermediar uma reaproximação entre o presidente do Senado e o líder do PMDB. Em princípio, os dois beligerantes toparam que FHC desempenhe o papel de bombeiro. “O governo precisa administrar menos politiquice, menos briga e ter mais ação concreta”, antecipou o presidente na noite de quinta-feira 11 ao cobrar coesão política no governo.

Depois de posar durante o primeiro mandato de FHC como dono do governo, ACM virou um verdadeiro colecionador de derrotas. Na última semana, somou mais algumas. Na segunda-feira 8, Fernando Henrique resolveu endurecer o jogo pela aprovação do salário mínimo no valor de R$ 151 e ameaçou demitir os apadrinhados dos governistas que não seguissem a orientação palaciana. Com uma penca de cargos no governo, no dia seguinte ACM acordou deprimido. Aproveitou uma conversa com o presidente do PFL, Jorge Bornhausen (SC), e o líder Hugo Napoleão (PI) para pedir ajuda: queria uma saída honrosa para seu recuo na queda-de-braço com FHC. Chegou a sugerir uma fórmula – se recebesse um afago público do presidente, deixaria de criar problemas para o Planalto. Acionado por Bornhausen, o vice-presidente Marco Maciel convenceu Fernando Henrique a fazer o agrado.

Sem carteira – Na tarde da mesma terça-feira, durante a posse do ministro do Esporte e Turismo, Carlos Melles, o presidente acarinhou ACM. O gesto serviu apenas para irritar o PMDB, que achou o tom exagerado e promoveu um desagravo na mesma noite. Em um jantar na casa do deputado Paulo Lima (SP), a cúpula do PMDB repudiou o que foi chamado de “exagero”. Jader Barbalho chegou a chamar o presidente do Congresso de “lambe-botas da ditadura” e “batedor de carteiras”, lembrando sua pressão para que o governo salvasse o Banco Econômico. “Nem uso carteira”, debochou ACM ao saber do ataque.

Inflado com o elogio presidencial, na manhã da quarta-feira, ACM trocou o papel de coitadinho pela arrogância habitual. Resolveu dar um show na reunião da Executiva Nacional do PFL peitando Bornhausen. Acostumado a sempre falar mais alto nas escaramuças partidárias, dessa vez o babalorixá baiano quebrou a cara. Depois de engolir sapos anos a fio, o senador catarinense entrou na reunião disposto a tudo, inclusive a renunciar à presidência do PFL. Antônio Carlos criticou a cúpula partidária que não o estaria defendendo das notícias de que estava isolado no próprio partido e se autoproclamou o grande líder do PFL. No mesmo tom, Bornhausen respondeu, sempre interrompido por ACM. Quando disse que não usava o partido para interesses pessoais, Bornhausen teve de ouvir “usa, sim”. Irritado, o senador catarinense contou que foi ACM, à revelia dos colegas, quem fechou um acordo com o governo pela fixação do salário mínimo em R$ 151. “Isso não é verdade”, cortou ACM. Bornhausen, então, relatou com detalhes uma reunião no gabinete do senador José Jorge (PE), da qual participaram os senadores Hugo Napoleão, Agripino Maia (RN) e Paulo Souto (BA) e os deputados Inocêncio Oliveira (PE) e Luiz Antônio Medeiros (SP). “Devo confessar a vocês que eu tinha acertado com o presidente e com o ministro Pedro Parente o valor de R$ 151, mas depois que vi a comemoração na festa de aniversário do Aécio Neves (líder do PSDB na Câmara), mudei de idéia”, admitiu ACM, já que várias testemunhas presentes estavam dispostas a confirmar a história contada por Bornhausen. Antônio Carlos teve de sair pela tangente: “Mas eu não falei pelos jornais.”

Aparências – Derrotado no próprio partido, o presidente do Congresso pediu uma nota de apoio para tentar manter a pose com o público externo. Com sutileza, Bornhausen produziu um texto no melhor estilo dos dirigentes de clubes de futebol que antes da demissão sempre declaram que os técnicos de suas equipes estão prestigiados. Mas a votação do novo mínimo – um aumento minguado que elevou seu valor dos mirrados R$ 136 para os ainda risíveis R$ 151 – transformou o Congresso no velho campo de batalha de divergências políticas e oportunismo eleitoral, deixando ACM nu. Ele não conseguiu controlar nem o PFL. Até a bancada baiana votou em peso em favor do mínimo proposto pelo presidente. Do PFL baiano, apenas três parlamentares acompanharam o senador: Roland Lavigne, candidato a prefeito de Ilhéus, José Ronaldo, candidato em Feira de Santana, e Paulo Magalhães, sobrinho do presidente do Senado. Antônio Carlos não votou.

ACM, que tem assumido ultimamente causas estranhas à sua carreira política, todas muito simpáticas à opinião pública – como o combate à corrupção no Judiciário e a criação do imposto contra a pobreza –, desfraldou a bandeira pelo mínimo máximo em janeiro, quando assumiu pessoalmente a rebelião “em favor dos trabalhadores”. Na terça-feira 9, o senador passou pelo constrangimento de liberar os pefelistas da Bahia para votar a favor do governo – e contra ele. Na quarta-feira, a Executiva do PFL jogou a pá de cal na proposta de ACM ao ratificar seu apoio aos R$ 151. Não deu outra. Na Câmara, dos 104 deputados do PFL, 78 votaram com o governo e apenas 16 votaram contra, além de 10 que não votaram. Uma fidelidade de 75%, só menor que a dos tucanos, que chegou a 93%. “A mídia insiste nessa colocação (de que saiu fragilizado) porque não quer que eu me fortaleça. As manchetes são sempre: ACM perde força junto ao presidente. ACM não é mais amigo de Roberto Marinho”, reclamou o senador. “Se alguém saiu vencedor, fui eu”, proclamou.

Fim da linha – “O leão virou um gato. Estava rugindo, agora está miando”, discorda o deputado José Dirceu (SP), presidente do PT. “O homem acabou”, acredita o petista. Mas foi justamente o partido de José Dirceu que deu uma das poucas alegrias a ACM. No plenário que votou, a improvável aliança PFL-PT ficou reduzida à aliança de duas siglas quase incompatíveis: ACM-PT. À 1h40 da madrugada de quinta-feira, quando finalmente a votação se encerrou, ACM trocou gentilezas públicas com o líder do PT, Aloizio Mercadante (SP). “Vossa excelência soube preservar a majestade do cargo”, disse o líder do PT. “Foi uma honra trabalhar com vocês”, devolveu ACM. No dia seguinte, Mercadante voltou a procurar ACM, o que valeu uma brincadeira de um assessor do senador baiano. “Ele está assinando a filiação ao PT.”

Artilharia – Ao mesmo tempo que troca lantejoulas com o PT, Antônio Carlos Magalhães está comprando uma briga com Geddel Vieira Lima, de quem suspeita estar fornecendo munição para a artilharia de Jader Barbalho. A reportagem de ISTOÉ foi à terra de ACM e lá constatou que, nos últimos cincos anos, o líder do PMDB comprou 12 fazendas que, juntas, somam oito mil hectares. Entre outubro de 1995 e abril deste ano, Geddel comprou fazendas espalhadas pelos municípios de Ibicuí, Potiraguá, Macarani, Itapebi, Itororó e outras cidades do interior baiano. Com isso, incorporou ao patrimônio familiar, estimado em R$ 10 milhões, cerca de 1,6 mil hectares de terra a cada ano. Para confirmar a venda das fazendas, além de obter os documentos, os repórteres de ISTOÉ estiveram no município de Itapetinga onde se apresentaram como pecuaristas interessados na compra de terras. Conversaram com o intermediário das transações, o corretor de imóveis Hélio Bento dos Santos. “Fui eu quem vendeu a fazenda de Cori (o pecuarista Coriolano Moreira). É uma das melhores da região. Aqui na Bahia não tem coisa igual. O alqueire foi vendido a R$ 21 mil. Só eu vendi 12 fazendas para o deputado. Tudo terra de primeira, todas têm muito gado, tudo povoado, tudo tratado”, conta o corretor de imóveis.

Herança – Geddel Vieira justifica afirmando que sua família é rica mesmo. Conta que desde a década de 60 o pai já produzia coco no sul da Bahia, tinha fazendas às margens do rio São Francisco, no oeste do Estado, postos de gasolina e muitos imóveis em Salvador. O avô materno de Geddel deixou herança para as filhas, inclusive dona Marluce, mãe do deputado. “Nós sempre compramos fazendas na Bahia, é o negócio do meu pai, desde muito antes de se tornar político. Está tudo declarado no Imposto de Renda e as escrituras são públicas, não há segredos”, explica Geddel. Mesmo evitando, em público, bater de frente com ACM, Geddel tem dito nos bastidores que o cacique baiano vai ter troco. No começo da noite da última terça-feira, numa reunião no gabinete da liderança do PMDB no Senado, Jader, Geddel e o presidente da Câmara, deputado Michel Temer (SP), avaliaram a repercussão das denúncias feitas por Antônio Carlos Magalhães. Geddel estava possesso. Andava de um lado para outro e proclamava que, depois da votação do salário mínimo, devolveria na mesma moeda. “Isso não vai ficar assim, não. Só não reajo agora porque o Jader me pediu. Mas vou partir para cima desse velho”, esbravejava. Essa disposição do líder do PMDB demonstra que Fernando Henrique vai ter muito trabalho para apartar a briga, que promete ter outros contendores. Como Jader investiu em sua carta contra Rodolpho Tourinho, na última quinta-feira ACM disparou contra o ministro peemedebista dos Transportes, Eliseu Padilha: “Se há coisas erradas no Ministério das Minas e Energia, o que eu duvido muito, devem ser apuradas. Como devem ser apuradas no Ministério dos Transportes, sobretudo no DNER.”

Outro obstáculo à missão presidencial de paz é que, além das rixas pessoais, a brigalhada de PMDB e PFL também tem um forte componente político. Os dois partidos travam uma batalha particular para se credenciar como parceiro preferencial do presidente Fernando Henrique Cardoso em 2002. Certos de que não terão cacife para indicar a cabeça de chapa na sucessão presidencial, disputam quem escolherá o candidato a vice da coligação governista. Trabalham com a perspectiva de que vá mesmo se confirmar em 2002 o cenário róseo para a economia projetado pela equipe econômica e repetido à exaustão por FHC em todas as conversas com os líderes aliados.

Em baixa – Um cenário que não é compartilhado pelos partidos de oposição, de olho nos conflitos cada vez mais frequentes entre o governo e a chamada sociedade civil. Também não acreditam num desempenho da economia tão favorável quanto o previsto pela equipe econômica. Avaliam ainda que os indicadores sociais, dos quais o salário mínimo é apenas um exemplo, não permitirão que Fernando Henrique volte a desfrutar de alta popularidade. Do lado de fora do Congresso, no dia da votação dos R$ 151, uma pequena multidão dava eco aos protestos dos sem-terra, aposentados, índios e funcionários.

Elite catarinense na mira da cpi


Desde sua instauração, no dia 30 de março, a CPI da Assembléia Legislativa de Santa Catarina que investiga o narcotráfico e o crime organizado vem recebendo uma enxurrada de denúncias anônimas envolvendo deputados, grandes empresários e policiais com as mais variadas atividades ilícitas. Até o momento, porém, apenas peixes pequenos caíram na rede dos deputados. De acordo com um integrante da CPI, que pediu para não ser identificado, um dos empresários mais citados por suposto envolvimento em ações criminosas seria Paulo César Machado que teria contribuído com a campanha de pelo menos dois deputados estaduais e a de um prefeito. Paulo César, conhecido como Paulo Louco, é um dos maiores empresários de Joinville. Há cinco anos, fundou o Banco de Fomentos de Santa Catarina, investigado pela Receita por estar sob suspeita de servir para lavagem de dinheiro. Nada ficou provado. Paulo, já investigado também pela Polícia Federal, nega envolvimento com o tráfico e diz que seu dinheiro é fruto de uma herança. O argumento não convence a CPI. Eles acreditam que a empresa de táxi-aéreo Horus, do empresário, estaria sendo usada para o tráfico. Outro personagem polêmico é o ex-investigador da Polícia Civil Cláudio Gilberto Ferreira da Silva, o Maguila, 50 anos. Em entrevista ao jornal Diário Catarinense, revelou o esquema da chegada da cocaína a Florianópolis e incriminou três conhecidos empresários locais. De acordo com Maguila, a cocaína entra na ilha através de cegonheiras (carretas que transportam automóveis) e também por embarcações que aportam sob a Ponte Hercílio Luz. O ex-policial, que responde a 19 processos, envolveu nas acusações políticos importantes do Estado, mas não apresentou provas. Na sessão da CPI, na semana passada, Maguila não fez as mesmas denúncias gravadas para o jornal, alegando temer pela vida de seus filhos. A CPI decidiu então fazer uma devassa nas contas dos políticos que supostamente tiveram suas campanhas financiadas por Paulo Louco. Na quinta-feira 11, o também ex-policial Marco Antônio Coutinho depôs e incriminou a elite catarinense. As denúncias envolvendo empresários e políticos podem levar a CPI nacional a se instalar no Estado.

João Pereira