Adolf Hitler disse em “Minha Luta” que os livros não serviam para nada. Que um escritor jamais poderia mudar a opinião do homem comum. Para o líder, o filme demandava menos do cérebro, exigindo a leitura de no máximo textos curtos: as legendas. Ele mesmo, conta
o pesquisador Bem Urwand em “A Colaboração”, só parava de falar na frente de um filme, qualquer que fosse o filme. A sétima arte foi eleita por Hitler como a mais importante arma de propaganda nazista. O que o livro do pesquisador australiano, da Universidade Harvard, revela agora é como Hollywood serviu aos interesses do Reich – algo que os grandes estúdios, indústrias altamente lucrativas até hoje, tentaram deletar de sua história.

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Jack Warner, da Warner Brothers, por exemplo, tomou a iniciativa de convidar o ascendente partido nazista a participar das decisões das suas produções, antes que elas fossem finalizadas e distribuídas pelo mundo. Ninguém tinha pedido. “Existe um mito que diz que os irmãos Warner lutavam avidamente contra o fascismo, mas eles foram os primeiros a tentar agradar aos nazistas”, descreve o autor, municiado de documentos como cartas, relatórios timbrados e assinados e fotografias dos governos alemão e americano esparsos em arquivos diferentes pelo mundo, que cotejou com algumas dezenas de reportagens de veículos como o “Washington Post”, a “Variety” e a “Hollywood Reporter”. Nas gavetas hollywoodianas, porém, não encontrou mais nada que confirmasse a colaboração de empresas como a Paramount, a Warner e a MGM durante toda a década de 1930 com a propaganda nazista.

Nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, o mercado alemão representava uma fatia gorda do faturamento da indústria cinematográfica americana. Para garantir a distribuição alemã, os estúdios alteraram o conteúdo de filmes a favor da supremacia da raça ariana e cortaram das narrativas personagens de origens judaica, indígena, negra ou ainda mulheres que não dependessem de homens. Jack Warner, que ordenou que a palavra “judeu” fosse retirada de todos os diálogos do filme “A Vida de Émile Zola”, de 1937, entrou para a história como um dos poucos magnatas do cinema americano a resistir ao fascismo, por ter feito “Confissões de um Espião Nazista”. O que o historiador mostra é que mesmo esse longa passou pelo crivo dos auxiliares do Führer – ou seja, o único filme declaradamente antinazista da época mostrava o que os alemães queriam que o mundo entendesse por seus pontos negativos.

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ALIADOS
Livro mostra que os empresários de Hollywood
sabiam das atrocidades de Hitler

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Urwand esclarece que o argumento de que as atrocidades cometidas pela Alemanha não eram inteiramente reportadas pela imprensa não procede. Os noticiários transmitiam, sim, a existência de extermínios civis e muitas formas de violência, além dos assassinatos e outros crimes cometidos dentro dos campos de concentração. Ainda assim, a cúpula hollywoodiana – quase toda formada por descendentes de judeus – fez quase tudo o que a Alemanha nazista quis para manter a distribuição de seus produtos e ficar bem com o Reich. Depois da rendição, o governo americano promoveu uma excursão em território alemão com quase todos os grandes de Los Angeles. Os donos de estúdio não se sensibilizaram com o desejo dos vencedores da guerra em pintar a verdade sobre os seus inimigos. Eles tinham na gaveta dezenas de filmes que não haviam estreado. Não tinham por que investir em novos roteiros e produções e por muitos anos abasteceram as salas da Alemanha com os filmes até então banidos com adjetivos como “nocivos” ou “enervantes”.

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Fotos: Bettmann/CORBIS Interfoto/Latinstock; Divulgação