Na semana passada, o Uruguai recebeu o primeiro pedido de asilo político de brasileiros desde os tempos da ditadura – e negou. A solicitação partiu de ativistas brasileiros que tinham a prisão preventiva decretada sob acusação de formação de quadrilha armada em protestos no País. O inusitado pedido joga luz num caso importante porque deve balizar a forma de tratar o ativismo violento daqui em diante. Afinal, o direito de manifestação deve ser garantido, mas a depredação de patrimônio público ou privado é intolerável. ISTOÉ teve acesso à investigação que resultou em processo contra 23 ativistas cariocas, sendo que três deles – Elisa de Quadros Pinto Sanzi, a Sininho, 28 anos, Camila Aparecida Rodrigues Jourdan, 32, e Igor D’Icarahy, 25 – foram soltos na quinta-feira 24, após 11 dias na cadeia. Foi graças às informações passadas por um policial infiltrado que a ação e a estrutura do grupo foram descobertas. Também contribuíram para montar o quadro os depoimentos das ativistas Anne Rosencrantz e Rosângela Ferreira, motivadas pelo ciúme de Sininho, a quem acusam de ter roubado seus maridos, os líderes Luiz Carlos Rendeiro Jr., conhecido como Game Over, e Gabriel Fernandes Soares.

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AQUI NÃO
Eloísa Samy teve o pedido de asilo ao Uruguai negado

O agente infiltrado, cujo nome será mantido em sigilo, foi quem revelou à polícia, por exemplo, a atuação da advogada Eloísa Samy – uma das que tentaram asilo –, até então vista apenas como defensora de manifestantes. Um dos trechos do relatório policial diz que “ele presenciou Eloísa Samy falando para os black blocs que estava na hora de começar a confusão, dando a entender que era para iniciar os atos de vandalismo, o que de fato ocorreu.” Membro da Força Nacional de Segurança, o espião filmava os integrantes do grupo em manifestações e fazia transmissões em tempo real, através do aplicativo “twitcasting”, para o Centro Integrado de Comando de Controle (CICC), estrutura montada pelo governo Federal para a Copa do Mundo ainda ativa no Rio de Janeiro.

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SOLTAS
As ativistas Elisa Sanzi, a Sininho, e Camila Jourdan (abaixo) respondem
a processo por formação de quadrilha e foram libertadas após 11 dias na cadeia

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Ele ganhou a confiança dos ativistas, trocou telefones e e-mails e passou a fazer parte de um grupo fechado de conversa criptografada chamada “Telegram”, que não pode ser grampeada. Era através do “Telegram” que os atos mais violentos eram combinados. O espião também passou para a polícia os endereços de sites e páginas pessoais que os ativistas usavam. A investigação sepulta os argumentos de que a violência nas manifestações evoluía de forma espontânea ou como reação à repressão da PM. “Eles associaram-se com a finalidade de praticar, nas manifestações populares, crimes diversos, como danos, lesões corporais, posse de artefatos explosivos e corrupção de menores”, afirma do promotor Luís Otávio Figueira Lopes na denúncia. Grupos como Organização Anarquista Terra e Liberdade (OATL), Movimento Estudantil Popular Revolucionário (MEPR) e Movimento de Resistência Popular (MRP), entre outros, formaram a Frente Independente Popular (FIP), para definir uma linha de atuação durante os protestos. Entretanto, segundo o promotor Lopes, em reuniões secretas das quais somente participavam as lideranças, a FIP planejava as ações violentas.

Membros da FIP e instituições, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), desqualificam o processo judicial, classificado de “criminalização da liberdade de manifestação”. Na quarta-feira 23, 50 integrantes da FIP se reuniram no campus da Universidade Estadual do Rio (Uerj) e uma das questões debatidas era a forma de punir os juízes que deferem a prisão de ativistas. Parlamentares da esquerda fluminense fizeram representação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o juiz Flávio Itabaiana, chamando o magistrado de “arbitrário” e o acusando de “abuso de poder”.

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Em São Paulo, três manifestantes presos por vandalismo tornaram-se réus na semana passada: o servidor e estudante da Universidade de São Paulo (USP) Fábio Hideki Harano, 26 anos, o professor Rafael Marques Lusvarghi, 29 – ambos detidos no dia 23 de junho – e o motorista João Antônio Alves de Roza, 46, preso desde 1º de julho. A Justiça aceitou a denúncia contra Hideki e Lusvarghi por associação criminosa, incitação à violência, posse de artefato explosivo, resistência e desobediência. Roza é acusado de depredar uma concessionária de carros de luxo durante um protesto. Ele é identificado pela polícia como black bloc e responde por associação criminosa e dano ao patrimônio. Na quinta-feira 24, foi preso temporariamente o professor Jefte Rodrigues do Nascimento, 30 anos. Ele foi detido sob suspeita de depredação a uma agência bancária e uma concessionária durante manifestação em 19 de junho. 

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CADEIA
Na quinta-feira 24, o professor Jefte Rodrigues foi preso em São Paulo,
acusado de vandalismo. Outros três manifestantes paulistas
viraram réus na semana passada pelo mesmo motivo