Da noite para o dia, o ator Mário Gomes viu o mundo desabar na sua cabeça. Uma nota publicada no jornal “Luta Democrática”, em março de 1997, afirmava que o galã de 26 anos dera entrada no pronto socorro da Maternidade Fernando Magalhães, no Rio de Janeiro, para tratar de uma ocorrência no mínimo insólita: extrair uma cenoura que estava entalada “em local absolutamente invisível”. A notícia se espalhou como rastilho de pólvora e, apesar de o personagem principal da mentira e o hospital desmentirem o fato, alojou-se no imaginário coletivo do brasileiro. E nunca mais saiu de lá. Mário Gomes não conseguiu desmontar a fama criada pelo mais profissional boateiro da cena cultural brasileira, Carlos Imperial. O talento para a mentira, porém, mais criou que destruiu no show biz entre os anos 1960 e 1990. As peripécias do embusteiro a quem devemos a descoberta de Elis Regina, Roberto Carlos e Tim Maia recheiam o novo documentário dos cineastas Ricardo Calil e Renato Terra. Chamado de “O Rei da Vaia”, em referência à alcunha de que Imperial mais se orgulhava. O filme deve chegar às telas este ano.

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AMOR PRÓPRIO
Imperial escreveu e produziu filmes nos quais assumia
papéis de destaque, como "Banana Mecânica"

Nascido em 1935 em Cachoeiro de Itapemirim (ES), Imperial queria ser ator. Conseguiu incluindo-se em alguns dos títulos de pornochanchada que produziu, como “Banana Mecânica” e “A Viúva Virgem”. Foi compositor de músicas de sucesso, como “A Praça” e “Vem Quente que Estou Fervendo”. Foi apresentador de televisão, colunista de revista e jornal, diretor de cinema, produtor teatral, dirigente de futebol, vereador e candidato a prefeito do Rio de Janeiro.

Uma de suas primeiras descobertas foi Roberto Carlos. Depois de muita rejeição, Imperial colocou o cantor dentro de um estúdio pela primeira vez para gravar seu disco de estreia, apostando a vida que as mulheres iam adorar o jeitinho meigo que o descreditava no meio musical. Com o mesmo ímpeto, abriu as portas do estrelato para Erasmo Carlos, Tim Maia, Wilson Simonal, Clara Nunes e Gretchen.

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MENOR DE IDADE
Aos 16 anos, Elis gravou seu primeiro LP,
"Viva a Brotolândia", graças ao produtor

Para alavancar suas carreiras, tinha a mentira como estratégia. E internacionalizou a MPB com ações tão criativas quanto questionáveis. “Asa Branca” tornou-se hit nos Estados Unidos depois do envio para rádios da terra do Tio Sam de fitas K7 com os Beatles interpretando a composição de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. O detalhe é que não eram os Beatles, mas sim a banda Eduardo e Seus Menestréis tocando a canção sobre a seca nordestina. A banda inglesa possivelmente nunca ouviu falar em “Asa Branca”. Até hoje tem gente que jura ter ido a Londres e ouvido a gravação por lá. “Imperial foi o arquétipo do malandro da zona sul carioca. Politicamente incorreto, era provocador, polêmico e fanfarrão”, diz Calil. “Mas se não fosse ele talvez Roberto Carlos não existisse.”

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A dupla de diretores se deu conta do tamanho do personagem durante as filmagens de seu documentário anterior, o premiado “Uma Noite em 67”. “Entrevistados como Chico Buarque, Roberto Carlos, Edu Lobo e Caetano Veloso citavam Imperial o tempo todo. Descobrimos uma história de uma pessoa que viveu como um personagem de ficção”, conta Calil.

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PUPILO
Ele também revelou Roberto Carlos,
a quem chamava de "Elvis Presley brasileiro"

Com a publicação, em 2008, de “Dez! Nota Dez! – Eu Sou Carlos Imperial”, de Denilson Monteiro (esgotado, o livro será relançado pela Editora Planeta em outubro deste ano), o projeto ganhou fôlego. A pesquisa serviu de referência para as filmagens de “O Rei da Vaia”, que contou com o depoimento de mais de 40 pessoas. A família confirma que Imperial não se despia do personagem nem dentro de casa. Marco Antônio Imperial, filho mais novo, por exemplo, conta que o produtor recomendava na adolescência uma alternância de parceiras, troca que deveria ser feita a cada quatro meses, pelo menos.

Fotos: Reprodução/Ag. Globo; Arquivo/Ag. O Globo; PAULO LEITE/AG. ESTADO/AE


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