Ao anunciarem, na quarta-feira 16, em Fortaleza, a criação de um banco de investimento com capital de US$ 100 bilhões e um fundo de reservas de emergência de US$ 50 bilhões, os governos de cinco países que formam os BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – deixaram a categoria de clube de governantes bem-intencionados, como tantos outros que gravitam em torno da ONU, para produzir ideias que podem ser úteis no universo de incertezas criado pelo colapso financeiro mundial de 2008. Enquanto a economia dos países desenvolvidos cresce muito pouco ou simplesmente não cresce, desde 2012 os BRICS exibem uma taxa média de expansão que é pelo menos o dobro da das nações mais ricas. Há dois anos, a diferença foi de 5,5% contra 1,6% – a favor dos BRICS. Para 2014, a projeção é de 3,6%, contra 2% nos Estados Unidos, 1,2% na Europa e 1,4% no Japão.

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PARCERIA
Presidentes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
celebram acordo durante evento em Fortaleza

Gravitando em torno do gigante chinês, a segunda economia do mundo com um PIB anual de US$ 9,2 trilhões, os BRICS tomaram medidas para reforçar os laços econômicos numa tentativa de manter o desenvolvimento mais acelerado. O novo Banco de Desenvolvimento, que terá sede em Xangai e presidência rotativa, mudando de titular a cada cinco anos – o primeiro será indicado pela Índia, o segundo, pelo Brasil, e assim por diante –, deverá auxiliar na coleta de recursos para obras de infraestrutura, ainda que a reserva inicial seja até modesta. O total definido em Fortaleza equivale a menos de um terço do valor do BNDES brasileiro, hoje o maior banco de investimento do mundo.

Separados pelo tamanho de suas economias – a China, a mais rica dos cinco, é 24 vezes maior do que a África do Sul, a mais pobre –, os BRICS não têm origem cultural comum, não seguem uma só religião nem falam o mesmo idioma. Não formam uma unidade geográfica, já que estão espalhados por quatro continentes, e ocupam lugares políticos diversos na diplomacia global – como mostram as relações cada vez mais tensas entre a Rússia, de Vladimir Putin, e a Casa Branca, sem paralelo entre os demais parceiros. A grande unidade do bloco é de outra natureza. São países de desenvolvimento médio, com liderança geopolítica em suas respectivas regiões e um traço em comum. Suas economias geram 20% do PIB mundial e um capitalismo com maior presença do Estado. Na China, as empresas estatais possuem 80% do mercado de ações. Na Rússia, 62% e, no Brasil, 38%. “O banco dos Brics é um sinal dos tempos”, disse a presidenta Dilma Rousseff, anfitriã do encontro. “Os tempos exigem um novo arcabouço financeiro mundial.”

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SINAL DOS TEMPOS
Ministros da Fazenda e Finanças dos países integrantes dos BRICS
subscrevem criação do banco de desenvolvimento. Fundo de
reservas de emergência será de US$ 50 bilhões

O encontro de Fortaleza tem sido comparado, frequentemente, com a conferência histórica de Bretton Woods, ocorrida em 1944, quando os países desenvolvidos resolveram, nos escombros da Segunda Guerra Mundial, colocar de pé um fundo de reserva para enfrentar crises financeiras – o Fundo Monetário Internacional – e o Banco Mundial, destinado a estimular a reconstrução da Europa através de obras de infraestrutura. O problema desse raciocínio é comparar essas instituições com aquilo que se conhece hoje, em vez de levar em conta seu perfil no momento em que foram criadas. O Banco Mundial nasceu como um mecanismo tão emperrado, burocraticamente, que no início a reconstrução europeia teve de ser feita diretamente pelo governo norte-americano, através do Plano Marshall. Nos anos que se seguiram a seu nascimento, o FMI mostrou-se uma instituição perfeitamente dispensável, já que a economia mundial atravessou décadas de prosperidade. Na década de 1980, quando sua intervenção seria necessária para socorrer países quebrados por suas dívidas externas, boa parte dos programas de auxílio do FMI se mostrou particularmente ruinosa. Aprofundavam a recessão e a dependência em projetos de austeridade que só seriam abandonados, parcialmente, no fim da década passada, quando o colapso do Lehman Brothers atualizou a noção de John Maynnard Keynes de que a melhor forma de vencer uma crise econômica consiste em encontrar estímulos eficientes para o crescimento e o emprego.

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Dessa forma, a reunião dos BRICS nasceu como uma crítica às instituições financeiras tradicionais do pós-Guerra. Os cinco membros condenam o FMI por manter uma mesma estrutura de poder de 60 anos atrás, sem levar em conta que o desenvolvimento de determinados países – alguns nem sequer eram nações independentes em 1944 – fez uma imensa fatia da riqueza mundial trocar de mãos e de endereço. Mesmo assim, o direito de voto dos países-membros segue o mesmo do passado, o que contribui para a tomada de decisões que favorecem os sócios mais antigos em prejuízo dos mais novos, economicamente mais importantes. Assim, o Brasil, sétima economia mundial, tem um peso nas decisões menor que a Bélgica, cujo PIB não chega a 20% do brasileiro. Já as decisões de Fortaleza não têm a vocação para ruptura, mas sim para ações conjuntas.

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Fotos: NELSON ALMEIDA, Silvia Izquierdo – AFP PHOTO 


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