Na esteira da melancólica despedida da Seleção da Copa do Mundo – o Brasil ficou na quarta colocação ao perder por 3 a 0 da Holanda dias depois de, na semifinal, ser surrado pela Alemanha por 7 a 1 –, um aceno na direção da renovação do futebol brasileiro insurgiu como uma obrigação para a cúpula da CBF. Em seu primeiro ato após o fiasco, o presidente José Maria Marin despediu praticamente toda a comissão técnica, encabeçada pelo treinador Luiz Felipe Scolari e pelo coordenador de seleções Carlos Alberto Parreira, longe dos microfones. Publicamente, na quinta-feira 17, o cartola falou sobre os novos rumos da Seleção. Melhor que não o tivesse feito. O anúncio do ex-atleta – que, ao encerrar a carreira, fez fama lucrando com o futebol por meio da compra, venda e renovação de contratos de jogadores – para comandar a reestruturação do futebol foi uma afronta aos que sonhavam com uma revolução ecoando na sede da CBF, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. O presidente da entidade optou por trocar peças para nada mudar na maneira de gerir o esporte no1 da nação ao escolher Gilmar Rinaldi, ex-goleiro tetracampeão do Mundo em 1994, para o cargo de coordenador de seleções. A ascensão dele só piora o cenário de desconfiança que paira sobre a entidade, tida como morada de negócios escusos e politicagem. “Na CBF, a dimensão política é a locomotiva e o projeto técnico fica a reboque dela. Em horas como essa, o cartola pensa: ‘Quem é o ex-atleta que, uma vez nomeado para um cargo executivo, pode garantir que a autonomia siga com a gente?’”, diz Eduardo Tega, diretor da Universidade do Futebol.

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RINDO DE QUE(M)?
Rinaldi entre José Maria Marin (à esq.) e Marco Polo
del Nero: política à frente do projeto técnico

Até aceitar o convite, Rinaldi agenciou jogadores durante 14 anos. E, no diagnóstico da crise do futebol brasileiro, os empresários que, depois da Lei Pelé, passaram a controlar o destino de nossos craques e mandá-los cada vez mais cedo para o Exterior são apontados como um dos grandes responsáveis pelo declínio da qualidade do futebol praticado pelo país pentacampeão do mundo. Será, então, que Rinaldi não faria lobby por jogadores pautado na valorização financeira do atleta? O ex-jogador Tostão, tricampeão do mundo em 1970, enxerga com enorme desconfiança a nomeação do ex-goleiro. “Começou mal o processo, com a escolha de uma pessoa que por 14 anos teve como interesse fazer negócio para lucrar com o futebol. Tudo bem que ele diga que rompeu com essa função, mas as ligações que ele tem com as pessoas continuam.”

O novo coordenador de seleções foi superintendente do Flamengo por dois anos antes de agenciar atletas como Adriano Imperador, que está sem clube, Fábio Santos e Danilo, esses dois últimos jogadores do Corinthians. Ironicamente, a classe dos agenciadores foi duramente criticada pelo Secretário Nacional de Futebol do Ministério do Esporte, Antônio José Carvalho do Nascimento Filho. “Os empresários são uma praga, principalmente nas seleções de base. Qual o estímulo que os clubes vão ter para formar jogadores se eles os levam? Está na hora de pensar em uma restrição.” O ex-atleta e hoje deputado federal Romário fez coro via Twitter. “Tive o desprazer de trabalhar com o Gilmar no Flamengo. É incompetente e sem personalidade. Posso afirmar que Rinaldi vai fazer da CBF um banco de negócios para defender os seus interesses.”

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À parte todas as ressalvas sobre a nomeação de Rinaldi – e também do novo técnico da Seleção, que provavelmente seria anunciado até a terça-feira 22 –, a reestruturação do futebol brasileiro de longe se dará pela simples troca de pessoas. É preciso aprender com os nossos erros. O impacto da pífia participação brasileira na Copa fez cair o véu de discussões rasas sobre o que acontece com o futebol por aqui. É preciso fazer um bom diagnóstico sobre a cultura de formação de nossos treinadores e atletas para uma correção de rumo.

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Scolari, por exemplo, foi jogador nos anos 70 e aprendeu com treinadores da década de 50 e 60. A prática dele repete essa época e assim acontece com ex-atletas da década de 80 que, hoje, são treinadores. O Brasil é um dos poucos países onde não há capacitação profissional para técnicos, ao contrário do que acontece nas 54 federações que fazem parte da Uefa. Para dirigir uma equipe numa liga principal europeia, o treinador passa por um processo que pode durar até quatro anos. E a cada dois anos ele tem de revalidar essa licença, encarando um processo de qualificação. “A nossa cultura de formação de treinadores é oriunda do ex-jogador, do profissional de educação física. Mas o futebol exige conhecimentos, habilidades e atitudes que podem ser desenvolvidas por meio de estudo como qualquer outra profissão”, diz Tega, da Universidade do Futebol. Em relação à carência de craques como Neymar Jr., há outra explicação. 

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Antigamente, os talentos apareciam de forma espontânea, em campinhos improvisados. Com o processo de urbanização, a partir da década de 70, esses espaços foram sendo substituídos por escolinhas de futebol. Nelas há uma mecanização dos gestos, uma vez que o professor, muitas vezes um ex-atleta, diz ao garoto o que e como ele deve fazer. Isso inibe a criatividade, a prática do esporte de maneira lúdica, que são marcas do nosso futebol. Em conversas entre Ministério e CBF, houve preocupação quanto às categorias de base, em especial a sub15. O Ministério Público do Trabalho trata esses jovens como atletas de rendimento, o que o Estatuto da Criança e do Adolescente considera irregular. “Hoje o MP multa alguns clubes, fazendo diversas equipes temerem investir nessa faixa etária. Nos Estados Unidos esses meninos já estariam trabalhando em concentração. Estamos discutindo desde antes da Copa uma alteração na Lei Pelé para criar a categoria “desporto de formação”, o que daria um resguardo jurídico para os clubes investirem nesses garotos”, afirma o secretário Nascimento.

Fotos: Wilton Junior/Estadão Conteúdo; MARCO ANKOSQUI/AG. ISTOÉ; Mauro Vieira/Agência RBS


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