Lais Myrrha – Projeto Gameleira 1971/ Pivô/ até 2/8

4 de julho de 2014. Duas pessoas morreram e pelo menos 19 ficaram feridas no desabamento de um viaduto planejado para a Copa, em Belo Horizonte. Menos de um mês antes, uma viga de concreto desabou do monotrilho em obras, em São Paulo, matando um operário e ferindo outros dois. Desastres em consequência de obras de engenharia mal projetadas, mal fiscalizadas ou feitas de forma acelerada e imprudente são tão comuns no Brasil quanto seu imediato esquecimento pelos cidadãos brasileiros. Só de tempos em tempos essa espiral de lapsos e descasos tem a chance de ser revertida. Essa é a função do “Projeto Gameleira 1971”, da artista Lais Myrrha, que propõe a revisão de um dos maiores acidentes da construção civil já ocorridos no País, o desabamento de parte da estrutura de concreto que cobriria o Parque de Exposições, projeto do arquiteto Oscar Niemeyer para o bairro da Gameleira, em Belo Horizonte, que causou a morte de 117 operários.

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CLAUSTROFOBIA
A obra "O Silêncio do Arquiteto" lista os nomes
das 117 vítimas da tragédia da Gameleira

A exposição consiste em três trabalhos. Na primeira sala, uma grande maquete da cena do acidente oferece ao visitante a vista panorâmica do episódio documentado pelos meios de comunicação da época, mas rapidamente engolido e apagado pela história, então controlada pelos aparelhos de censura do regime ditatorial. O segundo trabalho expõe em uma coluna os nomes dos 117 desaparecidos e o terceiro revela a imagem documental que serviu de modelo para a maquete, acrescido de um pequeno texto da artista que informa sobre a demolição integral do edifício e indaga sobre as razões que teriam levado à eliminação de rastros do incidente.

O fato de o “Projeto Gameleira 1971” ser realizado no Pivô, espaço artístico localizado no edifício Copan, é um ponto alto do trabalho de Lais Myrrha. O projeto não apenas resgata a memória incômoda de fevereiro de 1971 – apagada, em primeira instância, pelo próprio regime militar –, mas situa a lembrança desse evento no contexto de outro projeto “problemático” de Oscar Niemeyer. A artista lembra que o Copan teve uma história de incidentes – como a falência da construtora envolvida na obra – que impediram a realização integral do projeto original do arquiteto. Em vista disso, história e espaço se potencializam na exposição. A instalação da maquete na área de pé-direito mais alto do Pivô acentua a monumentalidade do desastre que apagou da história não apenas 117 vidas, mas também um projeto arquitetônico que pretendia ser mais um símbolo das glórias do modernismo brasileiro. O edifício não só desapareceu, como seu projeto não consta da biografia do arquiteto. Além disso, a escolha da artista por expor a imagem fotojornalística no espaço mais apertado, e de pé-direito mais baixo do Pivô, acentua o aspecto altamente claustrofóbico do evento. Impressa em 2.500 cartazes, a imagem é compartilhada e distribuída para os visitantes da exposição.

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RUÍNA
Maquete instalada no Pivô remonta parte da estrutura de concreto desabada

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As dinâmicas do esquecimento e as narrativas extraoficiais, que ficam relegadas às margens da história, já estavam no raio das pesquisas de Lais Myrrha há dez anos. Quando foi convidada para realizar um projeto no Pivô, ela havia acabado de publicar sua “Breve Cronografia dos Desmanches”, pela Bolsa Funarte, um compêndio de 22 formas de demolições, desmantelamentos, abandonos e ruínas de nossos edifícios. “Como vivemos essa cultura da demolição total do passado e do hábito de sempre começar a construir as coisas do zero, lancei essa conjectura (o Projeto Gameleira 1971) para ver como essa cicatriz se apresentaria”, diz a artista à ISTOÉ.

Conjectura, de certo, muito apropriada em nosso país do esquecimento. O trabalho de Lais Myrrha tem o grato resultado de amplificar e repercutir o ruído ensurdecedor da ausência de memória.

Fotos: Everton Ballardin


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