A Rede Globo levou quase meio século para exibir o primeiro beijo gay. Um ano depois da cena protagonizada por Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) fechando com sucesso “Amor à Vida”, de Walcyr Carrasco, Aguinaldo Silva promete ir além. No que depender de seu autor, “Império”, folhetim que estreia no próximo dia 21, vai substituir a insuficiente “Em Família” quebrando novos tabus nesse tema e em outros. “Em Família” apostou em uma relação lésbica. “Império” vai percorrer outros caminhos. José Mayer assume o personagem bissexual da trama, Cláudio Bolgari, um pai de família que mantém um caso amoroso com outro homem, muito mais jovem, com o conhecimento e anuência da mulher. Aguinaldo Silva disse que trata assim “do direito que os gays têm de não sair do armário”. Mas também não é só. Um dos filhos de Bolgari, Enrico (Joaquim Lopes), é homófobo.

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NO ARMÁRIO
O galã José Mayer interpreta um bissexual
que não assume a escolha afetiva

Já seu amante, um aspirante a ator, não se considera homossexual, apesar da relação longa e íntima, representando uma nova manifestação na fronteira dos gêneros conhecida como “os goys”, homens que não passam para os finalmentes com outros homens
e por isso não se consideram integrantes da comunidade gay.

De acordo com especialistas, colocar questões de gênero na televisão é sempre tiro certeiro. “Temas velados sempre agradam ao público”, diz Maria Immacolata Vassallo de Lopes, coordenadora do Centro de Estudos de Telenovela da Universidade de São Paulo (USP). “E cada vez o público exige mais verossimilhança nas narrativas ficcionais da televisão”, acrescenta a especialista.

Conquistador inveterado de corações femininos, José Mayer encarna em “Império” o primeiro personagem homossexual da sua carreira na tevê, sem nenhum constrangimento. Perguntado sobre a expectativa em relação a cenas de amor homoafetivo, acha graça, mas não desconversa.

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PREFERÊNCIAS
José Alfredo (Alexandre Nero) não esconde a predileção por Maria Clara (Andreia Horta),
a filha do meio. Aílton Graça (abaixo) vive o travesti Xana Summer,
dono de um salão de beleza e líder comunitário

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“Essa festa que se arma em torno de finais de novelas aguardando o excepcional beijo é uma hipocrisia, uma bobagem”, declarou no anúncio da novela, acrescentando que o beijo entre pessoas do mesmo sexo não deveria, no mundo atual, causar frisson maior que o entre mulher e homem.

A verdade é que Aguinaldo Silva sabe apetecer seu público. Em seu blog o autor escreve que as cenas não estão escritas em detalhes, mas que torce para que o tal encontro aconteça logo nos primeiros capítulos.
“O personagem do Zé Mayer é gay, mas casado, tem filhos, a esposa é sua cúmplice”, adianta o autor.

Dono de uma vasta coleção de obras do gênero, conta que teve a dura tarefa de entrecortar a trama central com pequenas histórias secundárias. Essas subtramas darão conta de diferentes tabus que a sociedade tem dificuldade em assumir. Entre eles, as relações extraconjugais, casos entre parentes, a exploração sexual, a homofobia e a mudança de gênero. “Para cumprir a missão de um folhetim, que é de prender o telespectador durante meses à espera do próximo capítulo, tem que ter tramas”, explica Aguinaldo Silva.

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“Há 50 anos a telenovela e a sociedade estão em interação. É difícil dizer quem inspira quem. Essa interação não apenas vem se acentuando como exigindo cada vez mais verdade nas narrativas ficcionais”, diz Maria Immacolata. O segredo tem sido tornar cada vez menos nítida a fronteira entre ficção e realidade.

“Império” transcende a questão do gênero. O folhetim narra a trajetória de José Alfredo (Alexandre Nero), homem obstinado pelo poder, que se apaixona pela mulher de seu único irmão. Enriquece, casa-se para ter prestígio social com a paulista quatrocentona Maria Marta Mendonça e Albuquerque (Lilia Cabral) e se torna o Comendador José Alfredo de Medeiros, dono de uma famosa rede de joalherias, a “Império” do título. O casal tem três filhos que, mais tarde, irão disputar a todo custo o legado construído pelo pai. O autor explica que os tabus surgirão a partir das tramas e não ao contrário. “É um novelão à moda antiga, adaptado para os tempos atuais.”

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Fotos: Airam Asil, Alex Carvalho, Paulo Belote – GLOBo; Felipe Assumpção/Léo Marinho, Felipe Panfili – AgNews; Alex Carvalho/CGCOM