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Em 2004, aos 19 anos, o então estudante universitário Mark Zuckerberg contou a um amigo, por meio de mensagens privadas, o que pensava dos usuários de seu novo site, TheFacebook.com, para o qual forneciam dados pessoais:
 – Se você precisar de informações sobre qualquer um de Harvard, me pergunte. Tenho mais de quatro mil e-mails, endereços e fotos.
– Como você conseguiu isso? – perguntou o colega.
– Eles confiam em mim. Estúpidos.

Hoje, dez anos depois, o Facebook perdeu o “The” e se tornou a principal rede social do planeta, com 1,3 bilhão de usuários. Zuckerberg ficou US$ 29 bilhões mais rico e se desculpou pelo que disse na juventude. O que não mudou foi o fato de que as pessoas continuam confiando dados pessoais a ele. Na semana passada, tanta confiança foi posta em xeque. O mundo descobriu que 689 mil usuários da versão em inglês do site foram cobaias, sem saber, de uma pesquisa feita pelo Facebook em conjunto com pesquisadores das universidades de Cornell e da Califórnia, ambas americanas. Nela, os cientistas manipularam o feed de notícias (a tela inicial, em que aparecem as publicações de amigos e páginas de interesse) e conseguiram provar ser possível manejar as emoções das pessoas, criando um “contágio emocional”. Para uma parte dos selecionados, o número habitual de publicações negativas em seu feed foi reduzido em 10%. Para outros, essa mesma diminuição ocorreu nos posts positivos. Quem era exposto a informações mais negativas passava a publicar material mais pessimista na rede. O mesmo mecanismo acontecia com quem tinha acesso a informações mais positivas.

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A revelação gerou duras críticas à rede social, além de preocupação com o poder excessivo nas mãos da empresa de Zuckerberg. Afinal, ela pode ser usada para deixar internautas mais receptivos a determinados produtos e ideias e até impactar eleições. Ou seja, dos negócios à política, tudo pode ser manipulado. O experimento deixou explícita a vulnerabilidade de quem navega pela web ao mostrar o quanto somos influenciáveis. “É a mesma mecânica do mundo offline, só que a rede amplifica e potencializa as coisas”, afirma a psicóloga Beatriz Breves, especialista em internet e sentimentos. Nossos interesses há muito já são manejados por outros gigantes da tecnologia, como Google, Yahoo!, Amazon e Apple. Essas empresas orientam nossas compras e até as notícias que leremos a partir do nosso comportamento online. Quem adquire um disco no iTunes ou um livro na Amazon logo recebe sugestões de outros produtos com o mesmo perfil. Da mesma forma, Google e Yahoo! reconhecem o tipo de informação buscada pela pessoa na internet e, com esse dado em mãos, direcionam notícias e publicidade.

O episódio trouxe à memória o caso Edward Snowden. O ex-técnico da CIA revelou detalhes de programas de vigilância usados pela Agência Nacional de Segurança americana para espionar a população a partir de dados de ligações telefônicas de milhões de americanos e acesso a fotos, e-mails e videoconferências de internautas conectados ao Google, Apple, Facebook e Skype. Outros países, inclusive o Brasil, também foram bisbilhotados. Por isso, cabe o questionamento sobre o uso político – explícito ou secreto – que é possível ser feito das redes sociais. Clay Johnson, que dirigiu a campanha digital de Barack Obama à Presidência dos Estados Unidos, classificou o experimento de “assustador”. “Poderia a CIA incitar uma revolução no Sudão pressionando o Facebook a promover descontentamento?”, questionou. No Reino Unido, uma comissão subordinada ao parlamento e ao Ministério da Justiça está investigando se a companhia quebrou as leis de proteção de dados do país.

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PODER
Mark Zuckerberg: a rede social idealizada por ele tem 1,3 bilhão
de usuários e é a mais popular do planeta

No Brasil, esta será a primeira campanha presidencial em que a internet deverá ter um peso significativo. “Ninguém tem mais dúvida da força das redes sociais”, diz Marcelo Branco, que coordenou a área digital da campanha da presidenta Dilma Rousseff em 2010. “As manifestações de junho de 2013 provaram que é possível viralizar a indignação coletiva e essa pesquisa manipulou a opinião pública.” Num estudo feito durante os protestos dos indignados na Espanha, foi constatado que a comunicação via Facebook tem quatro vezes mais carga emocional do que as notícias normais. Ou seja, vai ganhar quem conseguir captar melhor o espírito da rede.

Branco afirma que as mídias sociais podem desequilibrar eleições se relacionarem comentários negativos a um candidato e positivos a outro. Como as pessoas estão desconfiadas das instituições, o peso da opinião dos amigos pode ser fundamental para a definição do voto, por isso, a manipulação desse espaço de debates fere a democracia. “O que aparece na minha timeline depende de um algoritmo (sequências numéricas que levam a soluções de problemas) que junta vários fatores, inclusive pagamento. O Facebook não é confiável porque poderá turbinar quem está pagando mais para aparecer”, argumenta. Ele aposta que as campanhas daqui para a frente deverão se basear muito mais nos relacionamentos pessoais do que em sites oficiais. “Notícias de qualidade feitas por uma agência central ainda vão ser necessárias. Mas é mais importante valorizar o conteúdo dos colaboradores”, afirma. Agora, antes de a campanha começar na tevê, é a hora de fortalecer os argumentos a favor e contra cada candidatura. O uso de robôs virtuais que disparam milhares de mensagens (muitas delas mentirosas) na internet para influenciar mecanismos de busca e formar um clima de opinião é visto por Branco com reservas: “Os chamados bots podem pesar um pouco, mas o grande enganado é o cliente que pensa que muitas pessoas estão repercutindo um assunto, quando na verdade essas pessoas não existem”.

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A verdadeira finalidade da análise de dados pessoais nas redes, porém, é criar publicidade. “O Facebook usou a credibilidade da ciência para convencer seus clientes de que possui um poderoso instrumento de vendas”, diz Luiz Claudio Martino, especialista em comunicação da Universidade de Brasília. Os anúncios na rede social foram desenvolvidos exatamente para fazer parte da experiência de uso. A estratégia é integrar as ofertas aos demais conteúdos, criando um contexto social nas propagandas, como quando nos informa que há uma conexão entre os amigos e a marca. “Toda vez que se criar um canal com acesso a milhares de pes-soas, alguém vai transformar esse tipo de comunicação em dinheiro. Essa é apenas uma nova forma de publicidade”, afirma Dorie Clark, estrategista de marketing e professora da Universidade de Duke. Os verdadeiros clientes do Facebook são os anunciantes. Em 2013, a empresa bateu seu recorde de receita, US$ 7,87 bilhões, 89% vindos diretamente da publicidade.

É possível ou patrocinar ou promover uma página e até comprar “curtidas”. Existem mais de 30 agências de marketing espalhadas pelo mundo que fazem o elo com os anunciantes. Algumas empresas pagam diretamente à companhia. Dentro da rede social, há uma plataforma que serve como menu. O cliente escolhe o que quer, informa o preço máximo que está disposto a pagar e seu orçamento. Ele pode especificar o público a ser atingido a partir de fatores como idade, localização, sexo, educação e interesses pessoais. O Facebook apenas dá alguns conselhos na hora de criar a propaganda. Anúncios e histórias patrocinadas no feed de notícias, por exemplo, não devem ter mais de 20% do espaço ocupado por texto, pode-se usar até seis imagens diferentes para criar variedade e um termômetro informa se o público definido é muito amplo ou restrito demais.

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Como os gigantes da tecnologia conseguem “entender” o internauta? A resposta está em algoritmos cada vez mais sofisticados. “Existe uma série deles relacionados à análise de palavras, de sentimentos e de contextos. Servem exatamente para identificar assunto e temas principais dentro de um determinado texto”, diz o especialista em análise de dados, Thoran Rodrigues, CEO da Big Data Corp. “Em uma fração de segundos, ele faz toda a leitura e análise.” Os usuários do Facebook podem nem perceber, mas o feed de notícias já edita as publicações. Para realizar o estudo, os pesquisadores incluíram um critério a mais na seleção de informações recebidas. Antes de ir para a página, os dados foram analisados por dois softwares que escaneavam as palavras e lhes davam pontos positivos ou negativos, como uma nota de otimismo. Empresas de tecnologia fazem experimentos com seus clientes a todo momento. Google, Microsoft ou Yahoo! modificam com frequência a interface de seus sites para pequenos grupos e analisam as respostas com o objetivo de criar experiências de uso cada vez mais agradáveis. Obviamente, eles fazem isso em busca de mais cliques, mais visualizações e, consequentemente, mais lucro.

Monitorando o comportamento de cada pessoa na rede, os engenheiros conseguiram montar um sistema em que a máquina acompanha e aprende com cada movimento dos usuários, tudo atualizado em tempo real, para poder então fazer previsões sobre as próximas ações das pessoas. “Dependendo do serviço que você está usando, o rastreamento vai ser diferente”, explica Rodrigues. “O Google usa o histórico de pesquisas, o Gmail escaneia seu e-mail e analisa as palavras de cada mensagem e dos documentos anexados. A ideia básica por trás do algoritmo é entender seu comportamento na plataforma e, de acordo com o que você faz, buscar coisas que te interessam.” De acordo com especialistas, vivemos hoje numa economia de intrusão. “Companhias como o Facebook e o Google acumulam dados sobre nosso perfil e até sobre nossos sentimentos e os vendem a outras empresas”, diz o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, um dos pais do Marco Civil da internet.

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INDICAÇÃO
Jeff Bezos, da Amazon: quem compra um produto na loja virtual
logo recebe sugestões de outros itens afins para comprar

O Facebook tenta agora se explicar com seus usuários. Adam Kramer, cientista de dados do site e um dos responsáveis pelo experimento, afirmou que o trabalho procurava derrubar o mito de que ver posts positivos deixava as pessoas depressivas ou se sentindo excluídas de uma espécie de “clube da felicidade” existente nas mídias de relacionamento. Também disse que a empresa queria saber se usuários deixariam de usar a rede social caso seus feeds fossem muito negativos. Logo depois, a diretora de operações do Facebook, Sheryl Sandberg, desculpou-se pelo modo como ele foi divulgado: “Isso era parte de uma pesquisa para testar diferentes produtos, mas foi mal comunicado”.

Na realidade, em janeiro de 2012, quando o experimento foi feito, o Termo de Uso que todos são obrigados a aceitar para entrar no Facebook não mencionava a realização de estudos com usuários. Uma cláusula prevendo essa possibilidade só foi incluída quatro meses depois. Nos EUA, onde a lei é mais permissiva nesse aspecto, o argumento contratual teria boas chances de ser aceito. No Brasil, entretanto, mesmo que a informação sobre a pesquisa estivesse presente no documento, a situação seria outra. “A legislação aqui protege mais o cidadão de abusos nos termos de uso. O consumidor é considerado vulnerável porque não faz as normas, só tem a alternativa de aceitá-las ou de ficar de fora do progresso tecnológico”, afirma Luiz Fernando Moncau, do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro. O fato de as pessoas não terem sido advertidas de que participariam de um estudo levanta ainda outras questões. “Toda pesquisa científica com seres humanos precisa ser submetida a um comitê de ética”, diz Cesar Galera, professor de metodologia científica da Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto. Isso também não ocorreu.

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CONTROLE
Larry Page (acima) e Sergey Brin, donos do Google:
histórico de pesquisas detecta interesse do internauta

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Há um universo de possibilidades para quem quer vender produtos ou influenciar pessoas na internet. Como se defender desse voraz mercado? O usuário deve sempre se lembrar que, em última instância, é ele quem fornece as informações para os sites. Os especialistas recomendam ainda o uso de programas que protegem dados de navegação (leia quadro ao lado) e a aprovação de leis que encontrem um balanço entre a nova economia digital e a privacidade de dados pessoais. “Existe uma metáfora que diz que informação é como radioatividade. A radioatividade está presente em tudo, o problema é quando está concentrada. Do mesmo modo, informações esparsas não são graves, o perigo é quando todas elas estão num lugar só”, alerta Silveira.

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Fotos: Justin Sullivan/Getty Images/AFP, Spencer Platt/Getty Images/AFP; David Paul Morris/Bloomberg via Getty Images; Dimitrios Kambouris/Getty Images