Se você observar um desses perfis de humor do Facebook ou Twitter elogiando ou denegrindo a imagem de um candidato, desconfie. Há boa chance de que a piada seja, na verdade, uma publicidade disfarçada. O humorista por trás do personagem pode estar sendo pago para isso e, pior, incorrendo em um crime, já que a lei proíbe a veiculação de propaganda eleitoral paga na rede. Quem tem apostado nesse artifício ilegal, segundo o artigo 57 da norma eleitoral, para abocanhar polpudos contratos durante as eleições deste ano, é a Agência AMA. Nas propostas encaminhadas para partidos e candidatos, a agência fala em nome de donos de perfis humorísticos seguidos por milhões de internautas. Segundo a própria empresa, seus agenciados usariam o talento com as palavras para fazer propaganda de uma maneira descontraída com um tom de militância quase imperceptível. ISTOÉ teve acesso a uma proposta de “disseminação de conteúdos estratégicos” que a AMA elaborou para a campanha do PSDB, mas foi rejeitada pelo partido. Os especialistas em redes sociais propuseram aos tucanos um pacote de 25 publicações politicamente favoráveis em 20 perfis de sucesso no Facebook, como “Paulo Vieira”, vencedor do Prêmio Multishow de humor em 2013, “Irmã Zuleide” e “Bode Gaiato”. Juntos, os personagens fictícios têm 9,1 milhões de seguidores de suas postagens. O preço do “método promocional relâmpago” – como definem – seria de R$ 3,2 milhões, num pacote incluindo a pré-campanha.

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A AMA promete aos candidatos usar o “alto poder de persuasão” dos humoristas para espalhar pela internet mensagens positivas divulgadas “sutilmente” e suporte nas ações de contra-ataque. Durante as negociações, a agência sugere que seus personagens teriam um poder “destruidor” criando discussões contra adversários. “Imagine se a gente levantar uma hashtag Dudu dos Precatórios”, insinua Márcio Calheiros, um dos sócios da agência, referindo-se a um processo que o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos respondeu em que era acusado de negociar irregularmente títulos públicos.

A agência não é desconhecida do mercado. A AMA ganhou notoriedade no início do ano, quando, em uma manobra ousada, tentou contratar um dos personagens mais influentes da rede, a Dilma Bolada, paródia que o humorista Jeferson Monteiro faz da presidenta Dilma Rousseff. Ainda hoje, nas mesas de negociação, Calheiros demonstra a possíveis clientes que fala em nome do criador de Dilma Bolada, apesar de Monteiro já ter vindo a público negar que seu trabalho tenha ligação com agências de conteúdo. “A galera está querendo dinheiro, não é só ele (Monteiro) que está querendo dinheiro. A Irmã Zuleide está querendo, o Bode Gaiato está querendo dinheiro.” Recentemente, em suas postagens, para ironizar a crise energética, a personagem Irmã Zuleide atribuiu a poderes divinos a chance de ter eletricidade em casa. “Cortaram a energia da minha casa, mas eu não ligo, porque Jesus ilumina minha vida”, escreveu o humorista dono do perfil que tem mais de cinco milhões de seguidores. O Bode Gaiato, personagem que tem quatro milhões de seguidores, 58% desses internautas do Nordeste, tem no Bolsa Família tema recorrente de suas postagens. Mas o humorista também já opinou sobre as manifestações que tomaram conta das ruas. “Pra onde tu vai?”, pergunta a mãe cabra ao filho com um cartaz na mão. “Ali”, responde o jovem. “Onde é ali, cabra?”, rebate a mãe. “Vou ali mudar o rumo do meu país”, ironiza.

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SONHANDO ALTO
Acima, as propostas encaminhadas pela
agência AMA ao PSDB, que as rejeitou

O dono da AMA afirma que a agência ainda não fechou com nenhum presidenciável e conta que recusou propostas de comitês de campanha de candidatos a governos estaduais e a uma cadeira no Congresso. “Estamos abertos. Enviaremos propostas para todo mundo, Aécio Neves, Dilma Rousseff, Eduardo Campos. São os interlocutores dos partidos que nos procuram. Alguns candidatos a outros cargos nos procuraram, mas a gente não se interessou. Nosso interesse é a campanha presidencial”, disse.

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Apesar de as campanhas presidenciais terem montado enormes bunkers para a guerrilha virtual das eleições, poucos acertaram a mão e encontraram um formato que alcance os eleitores mais jovens. O problema é que a venda dos serviços da AMA constitui um crime eleitoral, previsto pela lei que regula a campanha na internet. Resolução assinada em maio pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Dias Toffoli, reforça a proibição de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet. O advogado eleitoral Alberto Rollo confirma o crime eleitoral no pagamento dos perfis para favorecer candidatos. De acordo com o jurista, a contratação de humoristas representa um duplo problema para o Ministério Público Eleitoral na disputa deste ano. “Há dois momentos de proibição, o uso do dinheiro na internet e a possibilidade de ridicularização dos adversários.” Para a AMA, a lei parece não ser um problema. “Todo conteúdo eleitoral tem de passar pela aprovação do setor jurídico do partido ou coordenação de campanha. Eles decidem se pode ser veiculado ou não”, argumentou a agência, questionada sobre o ilícito eleitoral.

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