Elas são cineastas. Uma é paulistana, outra carioca. Filhas de diretores famosos, cresceram numa época em que a Aids fazia suas primeiras vítimas, no início dos anos 1980, e  alcançava, no início dos anos 1990, o pico como epidemia, espalhando-se rapidamente entre homossexuais, hemofílicos, usuários de drogas injetáveis e, mais tarde, entre todos os grupos sociais imagináveis, transformando a expressão “HIV positivo” em uma sentença de morte.

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A Aids saiu do centro dos debates, mas seu crescimento entre a população jovem no Brasil é alarmante. Um aumento de 65% no número de casos de 2007 a 2012, entre pessoas de 15 a 24 anos – entre 2002 e 2006, vivemos uma queda de 8% de contágios nessa faixa etária. Como um espelho da realidade, Carolina Jabor, 39 anos, e Marina Person, 45, lançam seu primeiro longa-metragem de ficção justamente sobre o tema. Cada uma à sua maneira, elas retratam em “Boa Sorte” e “Califórnia” a descoberta da sexualidade na adolescência. E cada filme, a seu modo, apresenta o tema sobre a névoa da Aids, que por aqui levou faróis de gerações como Heinfil, Lauro Corona, Cazuza, Cláudia Magno, Caio Fernando Abreu, Renato Russo, Betinho e Sandra Bréa.

“Boa Sorte”, de Carolina Jabor, é uma adaptação fiel do conto “Frontal com Fanta”, do roteirista, escritor e diretor gaúcho Jorge Furtado (que também assina o roteiro do filme), publicado originalmente em 2005 no livro “Tarja Preta”. Narra a curta e intensa história de amor entre a junkie balzaquiana Judite e o adolescente João, que se conhecem em uma clínica de reabilitação para viciados em drogas. Judite é interpretada por Deborah Secco, que perdeu 12 quilos para encarnar a personagem. Segundo ela, a preparação para o papel foi “uma da mais difíceis transformações” pelas quais já passou. Mesmo com o apoio de uma equipe médica, o impacto da perda de peso fez com que a atriz tivesse dificuldades para voltar a se alimentar. Mas, apesar do abatimento físico, Judite é um personagem luminoso. Com apenas alguns meses de vida, conhece João (João Pedro Zappa), que tem 17 anos e acredita possuir o dom da invisibilidade – isso sob o efeito de Frontal, tranquilizante que descobre no armário do banheiro da mãe e do qual se torna dependente.

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COMEÇO DIFÍCIL
Carolina Jabor e Marina Person, cineastas, cresceram numa
época em que contrair o vírus da Aids era uma sentença de morte

“Quando li ‘Frontal com Fanta’, na hora percebi que dava um filme”, conta Carolina, sócia da Conspiração Filmes e integrante da lista dos grandes diretores de publicidade do País. Carolina é filha do cineasta Arnaldo Jabor.

“Deu vontade de falar sobre minha geração, sobre a difícil passagem da adolescência para a juventude, numa época em que a Aids assombrava. Criança, vi meu pai chorar algumas vezes a perda de um amigo querido. Isso mexeu muito comigo”, revela. Acrescenta que quis ir além da discussão sibre Aids, abordando o atual tema das drogas lícitas. “Mas o que marca mesmo é a história de amor, um amor que transforma”, enfatiza.

De acordo com a diretora, o filme trata de educação sentimental. Judite está morrendo, mas exala vitalidade. Ela vive intensamente a curta vida que teve. João é um jovem distante da morte, mas vive como se fosse um fantasma, anestesiando-se na farmacinha do banheiro dos pais. “Do breve encontro entre os dois, nasce um amor lindo, no qual a troca é fundamental. Ao insistir na beleza da vida, Judite ensina a João o que é o amor. E ela acaba ganhando um presente dele: a certeza de que a vida valeu a pena”, explica.“Boa Sorte”, com estreia prevista para outubro, foi rodado em dois prédios abandonados do Rio de Janeiro: o do Hospital da Beneficência Portuguesa, no Catete, construído em 1897 e desativado há 13 anos, e o antigo colégio Sagrado Coração de Jesus, no Alto da Boa Vista, transformado em polo cinematográfico.

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“Califórnia” é o título do longa-metragem de Marina Person, ex-VJ da MTV, apresentadora de programas na televisão e diretora do documentário “Person”, sobre seu pai, o cineasta Luís Sérgio Person. Em fase de finalização, chega aos cinemas em 2015. Narra as dificuldades da adolescente Estela (Clara Gallo) em viver suas descobertas sexuais. “É um rito de passagem”, comenta Marina. “Começa com Estela menstruando pela primeira vez e termina com a sua primeira transa.” O fantasma da Aids chega até a protagonista por meio de seu tio, vivido por Caio Blat. Depois de morar na Califórnia, “o melhor lugar para se viver nos anos 1960 e 1970, berço da contracultura”, nas palavras da cineasta, ele retorna ao Brasil infectado pelo vírus HIV e muito debilitado. Representa para Estela o mito do amor livre e da liberdade, mas está doente.

Durante um ano, Marina se reuniu com duas colegas de colégio para construir o enredo. “Estela tem um pouco de cada uma de nós. Além das aflições inerentes à adolescência, iniciamos nossa vida sexual com medo de contrair o vírus da Aids, numa época em que a doença era uma sentença de morte. O caso de Cazuza foi o mais emblemático, mexeu com todas nós. A primeira geração de jovens que conviveu com isso foi a minha.

Fotos: Felipe O-Neill; Leonardo Aversa/Ag. O Globo; Waldemir Filetti/AG. ISTOÉ; ANNE MARIE FOX; MARLENE BERGAMO/DIVULGAÇÃO