Leonardo de Florença se ocupava de muitas tarefas ao mesmo tempo e abandonava quase todas antes de terminá-las. Não gostava de explicar os trabalhos realizados e não deixou sequer um livro acabado. Leonardo da Vinci, o maior visionário do Renascimento, era um observador silencioso que escrevia para si mesmo. Esse silêncio se transformou logo depois de sua morte, em 1519, em caldo fértil para especulações. O desenho “Homem Vitruviano” e o afresco “A Última Ceia” são alvos das mais novas teorias conspiratórias acerca do mestre florentino.

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“A Ceia Secreta”, como o bem-sucedido “O Código da Vinci”, de Dan Brown, encabeçou a lista de mais vendidos nos mais de 40 países em que saiu poucos dias depois de chegar às livrarias. O livro do espanhol Javier Sierra, como o de 2006, desenvolve um enredo ficcional sobre a representação da cena bíblica do título. O autor reuniu o material de três anos de pesquisa (e entrevistas com os responsáveis pela restauração da obra nos anos 1990) para propor que o pintor teria usado sua arte para deixar mensagens cifradas, denúncias sobre segredos da Igreja Católica. A Igreja chegou a desaconselhar “O Código da Vinci”. Pelos quase 100 milhões vendidos até o final daquela década, a medida deve ter apenas aguçado ainda mais a curiosidade dos leitores. Virou filme, com Tom Hanks na cabeça do elenco. E mais uma vez bateu recordes de bilheteria, a despeito das blasfêmias contidas.

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“A Última Ceia”, pintura finalizada em 1497, foi uma encomenda de Ludovico Sforza, o duque de Milão, numa época em que Da Vinci chamava a atenção pelos longos cabelos cacheados e pelas roupas curtas. Diferentemente de todas as interpretações anteriores da última refeição de Jesus antes de ser crucificado, os apóstolos aparecem de frente para o espectador, nenhum está adornado por auréolas e o Santo Graal, símbolo da união do Cristo com Deus, elemento importante da cena bíblica, não se apresenta. Sierra explica, como se o seu novo livro fosse mesmo uma tese histórica, que as ausências seriam retaliações de Da Vinci contra o papa Alexandre VI. Mais que isso, registraria para a posteridade a possibilidade de contato direto com as esferas superiores, sem a necessidade do intermédio da Igreja, o que, evidentemente, se trataria de uma quebra de monopólio nem um pouco interessante para o papado.

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Os quebra-cabeças propostos por Sierra sobre personagens e passagens conhecidas divertem. Mas os historiadores de arte se arrepiam. Embora Alexandre VI não tenha sido de fato um dos líderes mais queridos por seus fiéis, a obra, até hoje visitável da Capela de Santa Maria delle Grazie, em Milão, nasceu destinada a decorar um mausoléu familiar. Não serviria, portanto, como plataforma de denúncia ou provocação ao Vaticano.

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O CÓDIGO MONA LISA
O retrato de Lisa Del Giocondo é objeto de
especulações desde que deixou o cavalete

As supostas influências religiosas, como a maçonaria ou o paganismo, são raciocínios opostos ao que de mais revolucionário a obra de Da Vinci deixou, a apropriação pela imagem da lógica natural que, para os renascentistas, regia tanto o homem quanto todo o resto do mundo. “O que faz Da Vinci diferente de outros como Michelangelo é uma evolução de sua leitura do homem como medida de todas as coisas, como centro, para o homem em integração com a natureza. E é essa a espiritualidade que se vê na sua arte”, diz o crítico de arte Rodrigo Naves. Outro livro, “O Fantasma de Da Vinci”, de Toby Lester, atém-se à biografia do também cientista e, sem tanta emoção e mistério, pode chegar perto de uma suspeita vinda dos anos 1980. Na época, o arquiteto Claudio Sgarbi encontrou em Ferrara, na Itália, o que seria um primeiro esboço do “Homem Vitruviano” desenhado pelo engenheiro Francesco di Giorgio Martini, que foi amigo de Da Vinci.

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E mais experiente e reconhecido quando ambos foram chamados por Sforza, então Duque de Milão, justamente para a construção de Santa Maria delle Grazie. Martini, uma espécie de mentor de Da ­Vinci, teria feito a sua versão. Claudio Sgarbi levantou a hipótese de que o criador da Mona Lisa apenas aprimorou o trabalho do amigo, morto na invasão francesa pouco depois de terminar a igreja. Lester lembra em seu livro que o próprio Da Vinci jamais se atribuiu essa autoria.

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Fotos: Stock Montage/Getty Images, Divulgação


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