Dois anos e meio depois do fim declarado da guerra com os Estados Unidos, o Iraque permanece mergulhado em instabilidade. A devastação deixada pelo conflito de oito anos voltou à superfície na semana passada, quando militantes de um grupo extremista, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), dominaram Mossul, a segunda maior cidade do país. Armados, eles tomaram prédios públicos, estações de tevê, o aeroporto internacional e penitenciárias de segurança máxima, de onde libertaram prisioneiros. Imediatamente milhares de pessoas deixaram suas casas para se refugiar em províncias vizinhas, como a região autônoma do Curdistão, que têm sua própria força especial de segurança. Com a deserção, moradores transformaram a paisagem da região ao formar enormes engarrafamentos nas estradas. Em meio aos refugiados, encontravam-se soldados que, já sem armas e uniformes, também abandonaram a cidade.

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FUGA
Com a dominação de Mossul por militantes do Estado Islâmico
do Iraque e do Levante (EIIL), moradores assustados
deixam a segunda maior cidade do País

A ousadia dos militantes extremistas atemorizou a população. O decreto de estado de emergência pelo primeiro-ministro Nouri al-Maliki não impediu que os rebeldes seguissem com o levante até a cidade de Tikrit, onde nasceu o antigo ditador Saddam Hussein. Lá, sequestraram o cônsul turco e fecharam a maior refinaria de petróleo do país. “Isso é uma catástrofe para o Iraque e destacou de forma dolorosa a inadequação das forças de segurança em lidar com a ameaça representada pelos extremistas islâmicos”, disse à ISTOÉ Nussaibah Younis, especialista em Iraque e pesquisadora do Programa de Segurança Internacional da Universidade Harvard, de Cambridge. Localizada no norte iraquiano, Mossul é um importante centro político e econômico de maioria sunita. “O estado de segurança é terrível,” disse à ISTOÉ Austin Long, professor do Instituto de Guerra e Paz Arnold Saltzman, da Universidade de Columbia, de Nova York. “A situação é muito ruim há pelo menos 18 meses, mas piorou bastante nos últimos seis. Não por acaso, Mossul, que já era considerada uma cidade insegura, foi dominada por extremistas em horas.”

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O TEMOR VOLTOU
Iraquianos saem de suas residências
temendo a radicalização extremista

Desde o início do ano, os insurgentes já controlam a cidade de Falluja, bairros de Ramadi e partes da província de Al-Anbar, todas a oeste de Bagdá. Nessas cidades, com o avanço do EIIL, armas, equipamentos e até veículos militares fornecidos principalmente pelos EUA caíram nas mãos de militantes islâmicos. “O Pentágono vai se perguntar agora: por que mandar mais munição se isso vai acontecer de novo?”, diz Austin Long. As forças de segurança do Iraque são extremamente corruptas e vulneráveis, apesar de o treinamento oferecido pelos EUA ter custado US$ 20,2 bilhões. A ofensiva americana custou, no total, US$ 1,7 trilhão – e milhares de vidas dos dois lados. Ao reconhecer a ineficiência de seus militares e policiais, o premiê iraquiano ameaçou severamente quem abandonou. Mas abriu um precedente ainda mais perigoso quando incentivou a criação de milícias formadas por cidadãos voluntários. O auxílio das forças curdas veio na quinta-feira 12, quando tomaram a cidade de Kirkuk para protegê-la dos jihadistas.

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O principal objetivo do EIIL, renegado pela Al Qaeda há quatro meses por ser “muito extremista”, é redesenhar as fronteiras e criar um Estado Islâmico entre o Iraque e a Síria. Nínive, onde fica Mossul, é a província que mais concentra operações dos insurgentes. Em texto publicado na quarta-feira 11, o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla em inglês), de Washington, disse acreditar que o grupo “já não é apenas uma organização terrorista”. “É uma força militar convencional que mantém territórios e diz governar alguns deles.” De acordo com o ISW, Mossul era alvo de ataques sistemáticos desde 2012 e o planejamento da ação pode ter levado anos, o que permitiu limitar as atividades dos soldados iraquianos e da imprensa local.

Fotos: Emrah Yorulmaz/Anadolu Agency/Getty Images; Safin Hamed/AFP Photo, Al-Furqan Media/AFP Photo