Elas são ardilosas, manipuladoras e não poupam esforços para atingir seus objetivos. Seguindo à risca a filosofia consagrada pela atriz Mae West no filme “Santa Não Sou” (1933), quando elas são boas, são ótimas, mas quando são más, são ainda melhores. E são adoradas por milhões de espectadores. Os seriados mais populares da atualidade trazem como protagonistas personagens femininas de caráter indiscutivelmente duvidoso, sem as quais as tramas perderiam muito do tempero. Em bom português, verdadeiras vilãs. No time, estão as negociadoras Olivia Pope (Kerry Washington), de “Scandal”, Claire Underwood (Robin Wright), de “House of Cards”, a vice-presidente Selina Meyer (Julia Louis-Dreyfus), da satírica “Veep”, e as agentes secretas da KGB, Elizabeth (Keri Russell), e do FBI, Nina (Annet Mahendru), da histórica “The Americans”.

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IMPIEDOSA
Para Claire Underwood (Robin Wright), de "House of Cards",
não basta eliminar os inimigos. É preciso fazê-los sofrer

 

Calculistas, tramam, manipulam, invejam e traem. Agem por meio das palavras e da influência que causam nos homens de suas vidas. Olivia e Claire atuam nos bastidores da Casa Branca. Em “House of Cards”, Claire avisa constantemente que é uma inimiga indesejável. E prova com palavras e ações a cada episódio.

Sem umidecer o rímel, pede a uma funcionária que demita metade da sua equipe para, no fim do dia, mandá-la embora também. Com frieza, é capaz de seduzir e maltratar quem quer que seja para atingir seus objetivos. Os diálogos entre ela e seu marido, o vice-presidente dos Estados Unidos, Frank Underwood (vivido por um indefectível Kevin Spacey), são repletos de pequenas tiradas malignas. Ao ouvi-lo dizer que quer destruir um inimigo político, ela atiça: “Devemos fazer mais do que isso. Vamos fazê-lo sofrer”. Olivia Pope, por sua vez, é do tipo manipuladora. Como age por trás dos grandes poderosos, sabe como ninguém usar quem for necessário – e a qualquer preço – a favor de seus clientes, políticos americanos.

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Com mulheres poderosas em destaque nas tramas, assuntos polêmicos como aborto e estupro ganham outra roupagem. Afinal, elas se posicionam em um mundo machista, muitas vezes de forma igualmente sexista, sobre problemas essencialmente do universo feminino. Ao ter que opinar sobre aborto em sua campanha para a presidência, por exemplo, Selina Meyer alega não poder se dirigir ao público com um ponto de vista feminino. “Os seriados têm tratado cada vez mais de temas polêmicos, onde é mais difícil dizer o que é certo ou errado. Não idealizar as personagens femininas é um grande trunfo”, explica Camila Furuzawa, mestre em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e pesquisadora do universo das séries.

Mesmo ocupando posições proeminentes, elas ainda precisam provar o seu valor e justificar suas pequenas e grandes vilanias, seja por meio de um passado duro ou de acontecimentos trágicos que as deixaram amargas. “A Olivia Pope, por exemplo, batalha constantemente para mostrar que é capaz”, diz o jornalista Paulo Gustavo Pereira, autor do “Almanaque dos Seriados” (Ediouro).

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De toda forma, o maior destaque dado às mulheres nas tramas retrata uma mudança no universo dos seriados em si. “Antigamente, a mulher só fazia a protagonista em comédias e no papel da atrapalhada. Hoje, seja vilã ou não, ela quer marcar uma posição, atingir um objetivo”, pontua Pereira. “O que a dramaturgia televisiva atual tem feito é mostrar mulheres fortes, ambíguas e falíveis, como qualquer homem. É uma mudança de personagens clichês para mulheres ambivalentes e contraditórias”, explica Lucas Paraizo, professor de Cinema da PUC do Rio de Janeiro.

A maioria das vilãs poderosas no ar age em ambientes políticos, mas a tendência de trazer personagens mais complexas, com uma aura malvada, pode ser observada em muitos outros seriados. Atualmente, a inescrupulosa Emily Thorne (Emily VanCamp) de “Revenge”, que não mede esforços para vingar seu pai, e Piper Chapman (Taylor Schilling), encarceirada por tráfico de drogas em “Orange is the New Black”, são dois grandes exemplos dessa mudança. A transformação de donas de casa passivas em personagens com problemas reais e atitudes duvidosas tem sido longa e teve grande colaboração de dois seriados superpremiados: “Desperate House­wives” (2004-2012) e “Weeds” (2005-2012). “O maniqueísmo ficou para trás. São personagens com limites dúbios e questionáveis.

É tudo uma questão de ponto de vista, e cada uma defende o seu”, diz Paraizo. Como na vida real.

Fotos: montagem sobre fotos de: Patrick Harbron; Divulgação