Depois de pelo menos quatro anos de suspeitas e trocas de farpas, o governo dos Estados Unidos acusou a China, pela primeira vez, de espionar e roubar informações confidenciais de empresas americanas para obter vantagens econômicas. Uma corte federal garantiu que cinco militares chineses invadiram os sistemas de seis companhias, entre elas a Alcoa, principal produtora de alumínio do país, e a Westinghouse, líder no desenvolvimento de tecnologia para energia nuclear. “A gama de segredos comerciais e outras informações sensíveis roubadas nesse caso é significativa e exige uma resposta agressiva”, disse o procurador-geral, Eric Holder. Durante seu pronunciamento, o Departamento de Justiça expôs a identidade dos suspeitos em cartazes de “procurados”, como nos velhos filmes de faroeste, e disse que eles pertencem a uma unidade militar do Exército Popular de Libertação, de Xangai, conhecida como 61938. Como a extradição dos acusados é improvável, a publicidade do caso pela administração do presidente Barack Obama tem peso simbólico para as relações entre os dois países, que, desde o ano passado, trabalhavam juntos numa comissão sobre segurança cibernética.

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Com a ação, os EUA deixam clara a mensagem de que não irão mais tolerar o roubo de propriedade intelectual. A investigação do governo colocou entre os dados roubados arquivos com tecnologia nuclear, especificações técnicas para a instalação de fábricas e planos de negócios estratégicos. Isso daria aos chineses vantagens em negociações e permitiria que eles colocassem em prática projetos inovadores sem investir em pesquisa. Os hackers conseguiam isso de forma relativamente simples. Enviavam e-mails a funcionários com anexos e links que, quando clicados, infectavam os computadores com um vírus capaz de transmitir as informações.

Por ora, a grita americana surtiu pouco efeito. As acusações foram tratadas como “extremamente ridículas” pelo governo chinês, que convocou o embaixador dos EUA em Pequim para dar explicações. Em entrevista ao jornal “Global Times”, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Qin Gang, acusou os EUA de terem a mais extensa rede de espionagem do mundo. “Em vez de refletir sobre seus atos, eles acusam outros”, disse o porta-voz. Na terça-feira 20, os chineses disseram ter detectado mais de dois mil ataques de hackers americanos, entre 19 de março e 18 de maio, capazes de invadir um milhão de computadores na China.

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RELAÇÕES ESTREMECIDAS E REVIGORADAS
Enquanto denúncia contribui para um ambiente de incerteza
nos negócios entre empresas americanas e chinesas, a Rússia,
de Vladimir Putin, amplia os laços com a China, de Xi Jinping

Espionagem é assunto delicado para os EUA desde que o ex-técnico da Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) Edward Snowden revelou ao mundo a extensão da vigilância promovida pelos americanos e colocou Obama no centro de uma crise diplomática com vários países. Os documentos secretos divulgados por Snowden mostraram que a NSA grampeava de indivíduos anônimos clientes de companhias como Google e Facebook a chefes de Estado, inclusive a presidenta Dilma Rousseff e a premiê alemã, Angela Merkel, e empresas, como a Petrobras. “Desde então, os EUA constantemente tentam fazer uma distinção entre espionar por razões de segurança e espionar para conseguir vantagens competitivas”, disse à ISTOÉ Adam Segal, especialista em China e cibersegurança do Council on Foreign Relations, de Nova York. Os arquivos vazados também denunciavam que o governo americano espionou a Huawei, gigante chinesa das telecomunicações, junto com o então presidente Hu Jintao. O país novamente alegou interesses de segurança nacional.

Para alguns analistas, a denúncia contribui para um ambiente de incerteza nos negócios de empresas americanas com chinesas. A câmara de comércio americana na China, AmCham, disse, em nota, que “a cibersegurança é uma preocupação grande e crescente para a comunidade empresarial”. Mesmo assim é preciso lembrar que, apesar das rusgas diplomáticas, os dois países são grandes parceiros comerciais. O comércio bilateral movimenta mais de US$ 560 bilhões por ano, maior que o PIB da Suécia. Neste ano, o Banco Mundial espera que a economia da China passe a dos EUA como a maior do planeta.

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Cientes disso, os russos aproveitam a situação para se aproximar ainda mais dos chineses. Sob sanções econômicas do Ocidente por causa da anexação da Crimeia e da instabilidade no leste da Ucrânia, a Rússia fechou o maior acordo energético da história de sua indústria na quarta-feira 21. Por US$ 400 bilhões, a Gazprom vai fornecer gás natural à China pelos próximos 30 anos, num momento estratégico para Moscou reduzir sua dependência do mercado consumidor europeu. “Ampliar os laços com a China é uma prioridade de nossa política externa”, declarou o presidente russo, Vladimir Putin. “A ação americana contra a Rússia só empurra Moscou para os braços da China”, afirma Luiz Augusto Castro Neves, presidente do conselho curador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais. “Afinal, qual é a outra grande potência que pode se opor aos EUA?” Na mesma semana, a fabricante de automóveis chinesa Great Wall Motor anunciou um investimento de ao menos US$ 340 milhões para a construção de uma fábrica na Rússia.

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No campo diplomático, a aproximação também é evidente. Em relação, por exemplo, à guerra civil na Síria, que já dura três anos, a China tem se posicionado fortemente ao lado da Rússia, aliada do presidente Bashar al-Assad. Na quinta-feira 22, as duas potências vetaram uma resolução do Conselho de Segurança da ONU contra o governo da Síria pela quarta vez. A ação previa encaminhar os crimes de guerra e contra a humanidade no país à Corte Internacional de Justiça.

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Foto: Mark Ralston/AFP