No que depender do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MPF-RJ), as atrocidades cometidas durante a ditadura militar não ficarão impunes. Procuradores federais denunciaram, na última semana, cinco militares reformados do Exército pela morte e ocultação do cadáver do ex-deputado federal Rubens Paiva, entre outros crimes coligados. O corpo do parlamentar está desaparecido, desde janeiro de 1971, quando ele foi preso, submetido a sessões de tortura e assassinado em dependências militares. Na lista de acusados pelo MPF estão o general José Antônio Nogueira Belham, ex-comandante do DOI, e o coronel Rubens Paim Sampaio, ex-integrante do Centro de Informações do Exército (CIE), pelos crimes de homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver e associação criminosa armada. “O homicídio praticado pelos denunciados foi cometido com o emprego de tortura, consistente na inflição intencional de sofrimentos físicos e mentais agudos”, subscrevem os procurados na denúncia apresentada à Justiça. Além deles, o coronel Raymundo Ronaldo Campos e os irmãos Jacy e Jurandyr Ochsendorf de Souza são acusados por ocultação de cadáver, fraude processual e quadrilha armada. A denúncia ainda cita mais uma dezena de oficiais envolvidos já mortos.

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Para os procuradores, depoimentos e documentos encontrados na casa do coronel reformado do Exército Paulo Malhães, morto em circunstâncias ainda incertas, embasam as acusações contra os denunciados e desmontam a versão mantida até hoje pelas Forças Armadas de que Rubens Paiva não teria sido assassinado nas dependências de suas instalações. “O ataque era particularmente dirigido contra os opositores do regime e matou oficialmente 219 pessoas e desapareceu com outras 152, dentre elas a vítima Rubens Paiva”, diz o MPF. Pouco antes de morrer, o temido agente do CIE Paulo Malhães assumiu, publicamente, a sua participação no desaparecimento do corpo do parlamentar, cassado dez dias após o golpe de 64. Revelou também que chefiou uma operação com o objetivo de desaparecer com o corpo do deputado Rubens Paiva e que as ações praticadas por ele e seus colegas eram de conhecimento de superiores hierárquicos.

Na denúncia, de 82 páginas, os procuradores afirmam que, em 20 de janeiro de 1971, militares invadiram a residência de Rubens Paiva no bairro carioca do Leblon. Acertou-se a prisão do parlamentar depois de uma militante de esquerda ser apanhada com correspondências de exilados trazidas do Chile, entre elas uma endereçada a Rubens Paiva. O país sul-americano, na época, despertava atenção especial dos militares por ser o destino de presos políticos trocados pelo embaixador da Suíça. Sem oferecer resistência, o deputado foi levado por integrantes das Forças Armadas ao comando da III Zona Aérea. Lá, passou por uma série de sessões de tortura. Até mesmo a mulher e a filha do parlamentar acabaram sequestradas para intimidá-lo. No mesmo dia, oficiais transferiram Rubens Paiva para o Destacamento de Operações de Informações (DOI), no bairro carioca da Tijuca, onde agentes do regime o assassinaram. “O homicídio de Rubens Paiva foi cometido por motivo torpe, consistente na busca pela preservação do poder usurpado em 1964”, diz o MPF. Para ocultar o crime e enganar os peritos, integrantes das Forças Armadas inventaram uma farsa “envolvendo vários níveis de comando e uma sequência de atos praticados com o objetivo de ocultar, para sempre, os autores diretos dos crimes e de manter absoluto sigilo a respeito do destino dado ao corpo”. Criou-se a versão de que Rubens Paiva havia fugido e de que o veículo em que estava se incendiou após ser alvejado por 18 tiros de calibre 45 mm.

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Ao contrário do que afirmam os advogados de alguns dos acusados, os procuradores federais entendem – com toda razão – que os crimes não estão prescritos nem imputáveis pela Lei da Anistia. Para o Ministério Público Federal, são práticas que atentam contra a humanidade e fazem parte de um sistema semiclandestino que se perpetuou com assiduidade, durante a ditadura, atentando contra civis contrários ao regime e se utilizando de práticas hediondas, como sequestro, tortura e assassinatos. Caso a denúncia prospere, além de criar um importante precedente, os denunciados sofrerão uma série de penas. Entre elas, terão de pagar indenização aos familiares de Rubens Paiva, perderão os cargos, as aposentadorias e as condecorações recebidas do Estado e ainda podem ser condenados a penas de até 37 anos e seis meses de prisão.