Ao sair de casa para trabalhar no dia 11 de setembro de 2001, a nova-iorquina Patricia Fagar levava na bolsa um terço, um batom pink, a carteira e um par de óculos. Funcionária de um escritório no 98º andar da torre sul do World Trade Center, Patricia morreu naquela mesma manhã. Treze anos depois, o terço, o batom, a carteira e os óculos deixaram de ser objetos comuns para contar a história de uma das maiores tragédias do século XXI. Agora, eles fazem parte do acervo do Museu Nacional do 11 de Setembro, uma estrutura de 10 mil m² – com fotos, vídeos, áudios, pertences das 2.977 vítimas, pedaços de avião, colunas de aço e vários outros artefatos relacionados ao acontecimento – instalada onde ficavam as torres gêmeas. Com um investimento de US$ 700 milhões, o museu abre para o público na quarta-feira 21 e mostra um momento histórico que mudou o curso da humanidade. Por outro lado, abre as portas em meio a uma série de polêmicas, como a maneira pela qual a comunidade islâmica é tratada, o valor do ingresso, de US$ 24 (R$ 53), e um questionamento: o memorial é uma homenagem justa ou é a espetacularização da tragédia?

abre.jpg

Essa é uma discussão atual na museologia moderna. “Hoje em dia os museus não estão mais submetidos somente à liturgia do passado. Eles estão mostrando uma nova dinâmica que tem esse lado espetacular, grandioso”, afirma Ângelo Oswaldo, presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), para quem essa tendência é válida mesmo nos casos de grandes tragédias, como o 11 de setembro. “As torres gêmeas tinham uma arquitetura singular e a intenção foi criar um museu marcado pela monumentalidade. Além disso, o fato em si é único na história mundial”, acrescenta Oswaldo. Mesmo reconhecendo a importância de se preservar a memória do acontecimento, os familiares das vítimas têm críticas. Não gostaram do fato de os restos mortais de pessoas não identificadas terem sido levados para o museu e consideram o preço da entrada muito alto – acima, inclusive, da média da cidade. Esse valor faria com que o local, cujo propósito deveria ser a reflexão sobre o horror do acontecimento e a preservação da memória das vítimas, se torne mais um ponto turístico de Nova York que visa o lucro. A direção do museu defende que a cobrança é justa e necessária, pois não conta com ajuda federal para cobrir os gastos anuais calculados em US$ 60 milhões. Parentes de mortos na tragédia entram de graça.

MUSEU-02-IE-2321.jpg
ACERVO
Veículo dos bombeiros usado  no resgate de vítimas e pedaço de um
dos aviões que se chocaram com os prédios são exibidos junto com
pertences das vítimas, fotos, áudios e estruturas de aço

MUSEU-03-IE-2321.jpg

O museu também está causando polêmica por questões religiosas. Um vídeo liga o grupo Al Qaeda, responsável pelos ataques às torres gêmeas, diretamente ao Islã, o que desagradou aos muçulmanos. A comunidade se sentiu ofendida por um filme que se refere aos terroristas como islamitas que veem sua missão como parte da guerra santa. Em carta à diretoria da instituição, o xeque Mostafa Elazabawy, autoridade religiosa de uma mesquita nova-iorquina, disse: “Visitantes que não entendem a diferença entre Al Qaeda e os muçulmanos podem ter uma visão preconceituosa do Islã.” Também foi criticado o fato de serem expostos fotos e nomes dos sequestradores dos aviões, pois seria um insulto à memória das vítimas. Por fim, houve até um grupo de ateus que reclamou da exposição de uma grande cruz de aço encontrada nos escombros.

MUSEU-04-IE-2321.jpg
AUTORIDADES
O presidente Barack Obama, a primeira-dama, Michelle,
e a ex-secretária de Estado Hillary Clinton em visita ao
museu que abre para o público na quarta-feira 21

Mas o museu já é um sucesso de público, mesmo sem estar em funcionamento. Os ingressos para a abertura estão esgotados. O site da instituição chegou a afirmar, inclusive, que as vendas online estavam com problemas por causa do grande número de acessos registrados nos últimos dias. A expectativa é que o local se torne um dos pontos mais visitados não só de Nova York, mas de todo o país. Além da emoção das histórias e do peso que o acontecimento tem para a história mundial, o forte nacionalismo dos Estados Unidos, ainda mais exacerbado depois do 11 de setembro, deverá garantir um fluxo constante de pessoas ao espaço. A discussão sobre a espetacularização do terror, porém, deve continuar. “O local já é um ponto importante, mas daqui para a frente saberemos se vai se tornar um espaço de memória ou um shopping center”, diz Ângelo Oswaldo, do Ibram. 

IEpag64e65_Museus-2.jpg

Fotos: Spender Platt/AFP; AP; Carolyn kaster/AP Photo