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“Saio dessa com mais uma data de nascimento: 15 de abril de 2007. É minha segunda vida”

– Bom dia. A mulher do sr. é loira?
– Sim.
– Ela tem o cabelo curto e… assim… meio arrepiado?
– Sim, sim.
– Ela tem uma tatuagem na barriga?
– Sim, sim, sim.
– Então venha para a casa, por favor. A mulher do sr. caiu do oitavo andar, do apartamento, com um gatinho.

O celular do jornalista Alex Solnik tocava pela primeira vez no domingo 15, às dez e meia da manhã. Ele passeava com os filhos gêmeos, Débora e Daniel, dez anos, por uma feira de São Paulo. Do outro lado, um bombeiro avisava que Doris Giesse, uma das apresentadoras mais admiradas e polêmicas da televisão brasileira na década de 90, recebia socorro na garagem do prédio onde mora o casal, no bairro paulistano de Perdizes. Tinha uma fratura exposta no cotovelo esquerdo e um corte profundo na perna direita, frutos de uma queda de cerca de 25 metros da área de serviço do apartamento da família, ao tentar evitar que Triguinho, um dos dois gatos machos da família, caísse da janela. Mesmo berrando de dor, conseguiu dizer ao bombeiro o nome do marido e o número do celular dele.

Anderson Prado/Ag. O Globo  -  Helcio Nagamine

SORTE O telhado que amorteceu a queda de Doris e o prédio, em São Paulo

Doris despencou abraçada com Triguinho. “Era a segunda vez que o gato tentava sair por lá. Estava tão preocupada com ele que não me lembro de muita coisa. Algo parecia me puxar da janela, um vento, sei lá. No início da queda, curiosamente, tive uma sensação que até poderia ser descrita como agradável. Mas depois só me recordo de estar no chão, gritando de dor e chamando pelo Triguinho”, conta Doris em um depoimento gravado pelo marido no Hospital das Clínicas, onde ela se recupera. “Eu me machuquei, mas ele caiu no macio”, brinca ela.

A metáfora do novo nascimento não peca pelo exagero. Todos os fatores que poderiam gerar seqüelas graves, ou até a morte da apresentadora, foram caprichosamente driblados pelo destino. Doris deixou a janela de frente, com a cabeça projetada para baixo. Uma queda assim teria chances altíssimas de ser fatal, mas o corpo da apresentadora virou levemente e se estabilizou numa posição mais próxima à horizontal. A pouco mais de três metros do chão, ela bateu num telhado de zinco, que afundou e amorteceu o impacto de seu contato com o chão. No primeiro choque, com o telhado, outro detalhe curioso ajudou. A apresentadora mede 1,65 m – e o espaço entre as vigas de ferro que sustentam as telhas tem 15 centímetros a menos. Como ela bateu no zinco encolhida no abraço que dava no gato, o espaço entre a cabeça e os pés foi reduzido, o que permitiu que passasse entre as vigas sem atingi-las e, portanto, sem nenhum choque perigoso na coluna, na cabeça ou no pescoço. Diante do potencial da cena, Doris está bem, muito bem. “Saio dessa com mais uma data de nascimento: 15 de abril de 2007. É minha segunda vida”, repetia ela no hospital na tarde da quarta-feira 18.

Fotos: Ricardo Giraldez

EM FAMÍLIA Com o marido, Alex Solnik, e os filhos gêmeos, Daniel e Débora

Ao deixar o hospital, a apresentadora precisará da mesma sorte para se recuperar de outras quedas ocorridas nos últimos anos, essas profissionais e pessoais. A fase difícil veio após um período de muito sucesso na tevê com sua voz grave e segura, os cabelos espetados, as tiradas inteligentes e um belo visual futurista, replicante, uma espécie de versão nativa da personagem Pris de Blade Runner, o filme clássico de Ridley Scott. Culta (estudou filosofia, pedagogia e formou-se em balé clássico pela Royal Academy of Dance de Londres), surgiu na tevê como um furacão aos 26 anos, em 1987, entre as modelos da abertura da novela global Brega & chique. Nos dois anos seguintes, apresentou o Jornal de Vanguarda na Bandeirantes e, em 1990, passou a ocupar a bancada do Fantástico. Em 1991, ganhou um programa próprio na Globo, o Doris para maiores, em que interpretava a andróide Dorfe. O trabalho foi uma das fontes inspiradoras para a criação, no ano seguinte, da versão televisiva do Casseta & Planeta, da qual ela foi a primeira apresentadora.

JONAS CUNHA/AE

Tempos de alegria e de muito sucesso A apresentadora se preparando para entrar no ar no programa Fantástico (à esq.)
e como a andróide Dorfe em um dos quadros de Doris para maiores

Enquanto isso, em entrevistas explosivas, Doris criticava diretores globais e revelava sem meias-palavras os seus fetiches sexuais. Uma delas, acompanhada de um ensaio em que ela aparece nua ao lado de modelos negros também nus, provocou sua demissão da Globo em 1992. Em outra, foi protagonista, junto com Solnik, com quem se casaria logo depois, de uma reportagem em que os dois relatam detalhes quentes de um encontro em seu apartamento. Em dezembro de 1992, num perfil publicado por ISTOÉ, manteve o tom corajoso. Dois pontos: “Adoro ser arranhada, mordida, ficar com o corpo cheio de marcas”, e “as mulheres podem querer igualdade social e econômica, mas em casa gostam mesmo é de um homem que as leve no cabresto”. Doris ainda apresentou, entre 1994 e 1995, o SBT Repórter e o TJ Brasil, no SBT. E, em 1998, um ano depois do nascimento de seus filhos, ancorou o Fala Brasil, na Record.

Depois disso, o sucesso da ousada andróide resolveu abandoná-la e partir deste para outro mundo. Sem convites do mesmo quilate, ela admitiu em 2002, num programa de tevê, que sofria de depressão e tinha pensado em suicídio. Hoje, aos 46 anos, tem diagnosticado – e controlado graças a um coquetel que inclui Prozac e lítio – um distúrbio bipolar, doença em que o paciente alterna estados eufóricos e depressivos. O marido faz questão de esclarecer que a apresentadora não tentou se suicidar nem estava sob efeito de álcool ou de drogas. “Ela não consome nada disso e o problema médico está sob controle. Se quisesse se matar, teria pulado do quarto em que a deixei, e não percorrido 20 metros para se jogar da área de serviço”, diz Solnik. “Doris é bonita, preparada, inteligente. É difícil para ela ter de me pedir R$ 10 ou R$ 20 quando já ganhou o suficiente para ir a Paris ou a Nova York num final de semana só para fazer compras. O que ela precisa é de um emprego, uma chance para preencher esse vazio na sua vida.” Em tempo: Triguinho passa bem. Não sofreu um arranhão sequer. Está de volta à casa, ao lado de Luqui, o segundo felino. Que nesta “segunda vida” de Doris, a outra gata da história, a sorte reapareça com a mesma intensidade que marcou presença em seu, digamos assim, renascimento.