03/05/2014 - 0:30
Pérola Imperfeita: A história e as histórias na obra de Adriana Varejão/ Editora Cobogó e Companhia das Letras/ 360 págs/ R$ 90
Em 1997, a pintora Adriana Varejão realizou um trabalho que expressava seu interesse pela história das raças brasileiras. A instalação “Testemunhas Oculares X,Y,Z” é composta por três retratos em que a artista é representada como uma índia, uma chinesa e uma moura. Mesmo que a Adriana negra e a Adriana branca estivessem ausentes do trabalho, de certa forma ele evocava o censo oficial brasileiro, segundo o qual o povo brasileiro divide-se em cinco cores: branco, preto, vermelho, amarelo e pardo. Dezessete anos depois, o tema da cor da pele volta à obra da artista e as três raças se multiplicam em 33. Nas séries de pinturas “Polvo Portraits” (2013) e “Polvo” (2014) – a segunda exposta no Galpão Fortes Vilaça, em São Paulo, até 27/5 –, a artista é representada em 33 tons de pele, realizados com uma paleta de tintas fabricadas pela própria Adriana, a partir de uma pesquisa de como os brasileiros descrevem a sua cor.
QUESTÃO DE PELE
Acima, "Polvo", Adriana Varejão retratada em diferentes cores.
Abaixo, tela da instalação "Testemunhas Oculares X,Y,Z"
“Branquinha”, “Burro quando foge”, “Queimada de sol”, “Fogoió”, “Café com leite”, etc., são alguns dos 136 termos com que os brasileiros se autodefiniram para a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Essa liberdade de interpretação e de definição da própria identidade é o mote das pinturas recentes e também do livro que a artista acaba de lançar em parceria com a historiadora Lilia Moritz Schwarcz. Em “Pérola Imperfeita: A História e as Histórias na Obra de Adriana Varejão”, a história do Brasil é contada em uma narrativa personalizada, filtrada pelos olhos da artista. Por isso, é sintomático que “Testemunhas Oculares X,Y,Z”, em que um dos olhos da retratada é extraído da tela e disposto sobre uma badeja de vidro, em frente à obra, seja o ponto de partida da narrativa histórica de Lilia.
“Adriana Varejão poetiza o que lê e faz dos textos instrumentos para outras histórias”, escreve Lilia, que, para reescrever a história do Brasil colonial a partir das pinturas de Adriana, se afasta das visões oficiais e reconhece que, afinal, toda história é uma sucessão de “autonarrativas” baseadas em leituras, releituras e na relativização do olhar.