O aperto de mãos entre os ministros das relações exteriores de Rússia, Ucrânia, Estados Unidos e União Europeia em Genebra, na Suíça, parecia indicar que os países envolvidos na crise ucraniana caminhavam para um consenso. A calmaria, porém, não durou nem uma semana. Apesar de o acordo assinado na quinta-feira 17 prever o desarmamento de grupos ilegais concentrados no leste do país (onde a maioria da população tem origem russa), a atuação das milícias só cresceu. Em cidades como Lugansk, Donetsk e Slaviansk, diversos prédios públicos foram ocupados por separatistas e militantes pró-Rússia, que criaram também postos de controle vigiados por homens armados. Considerados “terroristas” pelo governo provisório de Kiev, os milicianos foram acusados de torturar e assassinar. Entre suas vítimas, estaria o político Vladimir Ribak, do mesmo partido do presidente Alexander Turchinov. Ao menos oito jornalistas foram detidos. “Esses crimes são cometidos com apoio e conivência da Rússia”, disse Turchinov, que colocou o exército na rua para retomar o controle nos redutos insurgentes. No dicionário oficial, a iniciativa foi chamada de “operação antiterrorismo”, mas, na boca dos separatistas, tornou-se “operação de extermínio”.

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VIOLÊNCIA
Soldados ucranianos ameaçam manifestantes
pró-Rússia e separatistas detêm jornalista

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Na quinta-feira 24, quando cinco rebeldes foram mortos por militares (segundo informações divulgadas pelo Ministério do Interior da Ucrânia, mas contestadas pelos separatistas), cresceram os temores de que a escalada da violência pudesse culminar numa guerra civil. Panfletos distribuídos pelo governo em Slaviansk pediam aos moradores que permanecessem dentro de casa, de acordo com a imprensa local. “Se o atual regime de Kiev começou realmente a utilizar o exército contra a população do país, é um crime muito grave contra seu próprio povo”, disse o presidente russo, Vladimir Putin. No mesmo dia, ele deu início a exercícios militares entre suas mais de 40 mil tropas próximas à fronteira com a Ucrânia, em terra e no ar. Os EUA e a Otan, aliança militar ocidental, também encaminharam soldados para manobras na região, na Polônia, nos países bálticos e no Mar Negro.

Em entrevista ao jornal britânico “The Guardian”, o especialista em defesa Alexei Melnik alertou para a quantidade enorme de armas de fogo guardadas sob a mina de sal de Volodarski, a cerca de 40 quilômetros de Slaviansk. Estima-se que os manifestantes que guardam a entrada do local tenham acesso a mais de um milhão de armas pesadas que datam da Primeira Guerra Mundial e da Era Soviética. “Se tantas armas caírem nas mãos de separatistas, isso seria uma catástrofe”, disse Melnik. Andreas Umland, especialista em história contemporânea de Rússia e Ucrânia e professor da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, é cético quanto ao início de uma guerra civil. “É mais provável que vejamos a repetição de uma intervenção russa como a da Ossétia do Sul, em 2008”, disse à ISTOÉ. Na ocasião, Moscou foi acusada de fornecer armas aos separatistas e entrou em confronto com a Geórgia. Para evitar isso, os EUA ameaçaram impor novas sanções econômicas à Rússia, mas o próprio presidente Barack Obama ponderou: “Sei que sanções adicionais podem não mudar o cálculo de Putin.”

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A proximidade das eleições presidenciais, marcadas para 25 de maio, vem acompanhada de pelo menos dois referendos locais. No dia 11, os cidadãos de Lugansk votarão por sua autonomia e, uma semana depois, decidirão se devem se juntar à Federação Russa, a exemplo do que a Crimeia fez em março. Até hoje, porém, o Ocidente não reconhece a anexação da Crimeia. O compromisso acertado em Genebra de anistiar os manifestantes pró-Rússia, promover uma reforma constitucional que respeite as minorias e estabelecer a paz ficou apenas no plano teórico.

Fotos: Marko Djurica, Gleb Garanich – REUTERS