Quando o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, colocou o acordo de paz entre Israel e Palestina como uma das prioridades de seu segundo mandato, a notícia foi recebida com ceticismo por um mundo abalado pela instabilidade política no Egito e pela guerra civil na Síria. A ambição de chegar a um consenso num prazo de nove meses soava irrealizável e só uma pessoa, além de Obama, parecia acreditar que isso seria possível: o secretário de Estado americano, John Kerry. Com a proximidade da data-limite, em 29 de abril, a empreitada é dada como um fracasso diplomático. “Kerry falhou em manter Israel na linha,” disse à ISTOÉ Minas Rajabi, pesquisador da Sociedade Acadêmica Palestina para o Estudo de Assuntos Internacionais (Passia, na sigla em inglês), de Jerusalém. Em vez de um aperto de mãos, o que se viu nas últimas semanas foi o anúncio da construção de mais 700 assentamentos israelenses, o corte das relações entre os ministros dos dois lados e a imposição de sanções econômicas, como a suspensão de depósitos palestinos em bancos israelenses e o congelamento da transferência de US$ 100 milhões mensais de impostos à Palestina.

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PRIORIDADE
Barack Obama colocou o processo de paz entre Israel e Palestina
no topo de sua agenda internacional do segundo mandato

Cada vez mais dissonantes em questões fundamentais, como o destino dos refugiados e o status de Jerusalém, os negociadores transformaram as reuniões dos últimos meses em conversas que dificilmente resultariam na assinatura de um pacto pela paz. Em janeiro, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, colocou pela primeira vez o reconhecimento de Israel como um “Estado judaico” como ponto-chave para um acordo. Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, rejeitou a demanda. A gota d’água veio em 29 de março, quando os judeus não libertaram os últimos 26 de 104 prisioneiros palestinos sob seu poder há mais de 20 anos, como havia sido combinado anteriormente. Logo depois vieram os novos assentamentos. “Puxa, esse foi o momento”, disse John Kerry ao explicar o fiasco para o Senado americano numa rara cutucada nos aliados de longa data. A Palestina, admitida como um Estado observador da Organização das Nações Unidas em 2012 (à revelia de EUA e Israel), reagiu com a decisão unilateral de assinar 15 tratados internacionais, a maioria ligada a direitos humanos. Embora a adesão dos palestinos à Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, por exemplo, ofereça na prática pouca ou nenhuma consequência para Israel, há ainda 63 convenções da ONU que os palestinos gostariam de integrar para, no futuro, encontrar meios legais de condenar Israel pela ocupação de 47 anos da Cisjordânia.

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EM DESACORDO
Benjamin Netanyahu, premiê de Israel (acima), e Mahmoud Abbas,
presidente da Autoridade Palestina, não conseguiram entrar em consenso
em questões fundamentais, como o destino de refugiados e o status de Jerusalém

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Nessa conjuntura, o impacto imediato da falência das negociações recai sobre a descrença na solução de dois Estados, sendo que Jerusalém seria a capital de ambos. Dentro da coalizão de apoio ao premiê Netanyahu, a ideia é amplamente rejeitada. Para os pesquisadores da Passia, esse recurso é “inalcançável”. “É bem sabido que Israel confisca a terra dos palestinos na Cisjordânia e constrói casas num processo de colonização sem fim,” afirma Alaa Safouri. “Em vez de tentar criar uma paz estável com os palestinos, Israel está mudando sua prioridade para o Irã, a Síria e o Hezbollah.” O secretário americano, John Kerry, compartilha da opinião de muitos especialistas de que essa postura só resultaria no isolamento crescente de Israel. Uma campanha internacional de boicote batizada de BDS tem ganhado força com o apoio de celebridades como o cientista Stephen Hawking e o roqueiro Roger Waters, do Pink Floyd. A banda Rolling Stones, que confirmou um show em Tel-Aviv em junho, tem sofrido pressão do grupo para cancelar a apresentação.

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A falha diplomática também vem acompanhada do receio de uma nova onda de violência. Quando o processo de paz mediado pelo então presidente americano Bill Clinton degringolou em 2000, o resultado foi a segunda intifada, que terminou com mais de cinco mil mortes. Ao aceitar a tarefa de deixar uma marca positiva da administração de Obama no Oriente Médio, John Kerry a levou como uma missão pessoal. Realizou dezenas de viagens para a região e manteve conversas semanais, via conferências de vídeo, com os líderes dos dois lados na esperança de que o diálogo pudesse ser alongado. Ao final, admitiu: “Há limites para a quantidade de tempo e esforço que o país pode gastar, se as partes não estão dispostas a tomar medidas construtivas para seguir em frente”, disse o secretário. Segundo ele, não são poucas as crises que o presidente Barack Obama tem para se preocupar. Na conta, já estão as falhas em conter o ímpeto expansionista do presidente russo, Vladimir Putin, na Crimeia, interromper o enriquecimento de urânio no Irã e reprimir a violência na Síria.

Fotos: Jacquelyn Martin/AP Photo; Christopher Pike/Xinhua Press/Corbis