Na quinta-feira 10, a ausência quase total de carros e pedestres poderia indicar apenas uma calmaria atípica para um observador acostumado com o ritmo frenético de aglomerações de turistas e “panelaços” políticos no centro de Buenos Aires. Mas a greve geral que parou a capital do país e cidades como Rosário, Mendoza e Santa Cruz demonstrou que os nervos estão à flor da pele. Sem ônibus, metrôs, trens e aviões, muitos argentinos ficaram em casa, mas outros se reuniram para protestar contra o governo da presidenta Cristina Kirchner, o que resultou em enfrentamentos com a polícia. Entre as reivindicações dos trabalhadores representados por três centrais sindicais peronistas, a principal delas a Confederação Geral do Trabalho (CGT), estavam a redução de impostos que incidem sobre a renda e a liberdade para negociar aumentos salariais duas vezes por ano e sem teto previamente estabelecido. Para os grevistas, Cristina também já não é mais capaz de controlar a inflação e frear a onda de criminalidade.

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LIMITE
Policiais contiveram manifestantes em piquetes nas vias de acesso à capital

Não bastassem as más notícias na economia, a presidenta, outrora tão popular, enfrentará seus últimos meses na Casa Rosada num clima de conflito social. Para os próximos meses, já estão planejadas paralisações de 36 e 48 horas, cujos efeitos negativos cairão também sobre Daniel Scioli, governador da província de Buenos Aires e dado (por enquanto) como o candidato do governo à sucessão. “Esse é mais um golpe para Cristina”, diz Mario Sacchi, professor de relações internacionais da ESPM. Para Patrício Giusto, diretor da consultoria Diagnóstico Político, Cristina passa por um desgaste natural depois de sete anos de kirchnerismo no poder. “Dentro da conjuntura econômica ruim, seu estilo marcadamente autoritário e em constante conflito com a imprensa e setores importantes da sociedade tem gerado um mal-estar profundo na opinião pública”, disse Giusto à ISTOÉ.

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VAZIO
As estações de trem, como a de Retiro, em Buenos Aires, ficaram desertas

Nos últimos 12 meses, o peso (moeda local) desvalorizou-se 35%, enquanto as contas públicas seguem pressionadas pelas quedas nas reservas internacionais. A inflação anual de dois dígitos (acima de 30%, segundo consultorias privadas) corrói os ganhos salariais dos trabalhadores, ao mesmo tempo que a retirada de subsídios do governo aumentou em 500% o preço do gás, em 406% o da água e em 66% o do transporte. O preço da energia elétrica deve ser o próximo a subir. Na semana passada, um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) comparou a economia da Argentina com a da Venezuela e mostrou preocupação com a desaceleração do nível de atividade, a inflação e as políticas econômicas dos dois países. A expectativa do FMI é de que a Argentina cresça 0,5% em 2014. No ano passado, a economia avançou 3%.

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“Hoje ficou claro o desencanto que há entre o povo”, afirmou, em uma coletiva de imprensa, Hugo Moyano, porta-voz da greve. Segundo ele, a adesão chegou a 98% em alguns setores. “É muito difícil ter uma dimensão real do movimento”, disse à ISTOÉ o analista político Raúl Aragón. Como o sistema de transporte foi um dos setores mais afetados e as vias de acesso à capital foram bloqueadas por cerca de 50 piquetes, muitas pessoas ficaram em casa simplesmente porque não conseguiram chegar ao trabalho. Uma pesquisa conduzida na semana passada pela consultoria Raúl G. Aragón & Associados mostrou que o apoio à greve não era assim tão generalizado. Enquanto a maioria dos entrevistados dizia não saber o motivo por trás da paralisação, 51,7% não a consideravam legítima. Aragón pondera, no entanto, que a greve atinge principalmente a população economicamente ativa e a pesquisa também considerou desempregados, aposentados e estudantes. “Há uma briga política bastante avançada a respeito da eleição presidencial do ano que vem”, afirma Aragón. “Os líderes sindicais estão todos ligados a candidatos da oposição.”

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Semelhante ao que aconteceu com o grupo de mídia Clarín, Cristina e os sindicalistas eram aliados até pouco tempo atrás. O afastamento entre as centrais sindicais e o governo remete ao seu primeiro mandato. Segundo a lenda que circula nos meios políticos locais, foi uma dura briga por telefone entre Néstor Kirchner e o caminhoneiro Hugo Moyano, líder da CGT, na noite anterior à morte do ex-presidente, em outubro de 2010, que desencadeou um ataque cardíaco em Kirchner. A Moyano, que representa um contingente de mais de 200 mil trabalhadores, foi sendo negado, aos poucos, mais espaço dentro do governo e do partido peronista oficial. Até que, em 2012, ele se tornou um dos principais nomes da oposição e passou a convocar uma série de movimentos e passeatas a fim de desgastar a presidenta. Naquele ano, Moyano organizou a primeira greve geral contra Cristina.

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DESGASTE
Depois de quase sete anos no poder, a outrora popular Cristina Kirchner
sofre com as pressões econômicas e agora sociais

Fotos: Natacha Pisarenko/AP Photo; Juani Roncoroni/Brazil Photo Press/Folhapress


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