Na tarde chuvosa do dia primeiro de janeiro de 2011, Dilma Rousseff recebeu de Luiz Inácio Lula da Silva a faixa presidencial e a administração de um país com economia estabilizada, inflação sob controle e uma Petrobras que lucrava R$ 35 bilhões ao ano. O vencedor das eleições de 2015 não terá o mesmo privilégio. A conta que vem para o sucessor de Dilma ou mesmo para ela enfrentar, caso seja reeleita, será salgada. Isso porque, de olho nas eleições, o governo adiou a adoção de medidas impopulares, mas que eram necessárias, ao conter artificialmente as tarifas de combustíveis e eletricidade e expandir subsídios. Por isso, a partir do próximo ano, serão inevitáveis para quem estiver governando o País iniciativas amargas para a população, como o aumento dos combustíveis e da conta de energia elétrica. E para evitar impacto forte sobre a inflação de 2015 serão necessárias medidas de contenção que geralmente afetam o consumo e a geração de empregos, além da política de reajuste do salário mínimo.

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Em todo ano eleitoral costuma ocorrer o mesmo. Governantes, independentemente de partidos e ideologias, resistem a levar a cabo às vésperas da eleição iniciativas que possam desgastar sua imagem perante o eleitorado. Ocorre que muitos desses problemas que se acumularão para o próximo ano poderiam ter sido evitados, se não fossem equívocos gerenciais cometidos pelo governo. Em 2003, Dilma Rousseff era ministra de Minas e Energia e caiu nas graças do então presidente Lula ao reformar o sistema de distribuição elétrica, criando um arranjo com termelétricas para socorrer o abastecimento em época de seca. O plano de Dilma incluía a interligação das linhas de transmissão para deslocar energia de Estados que produziam muito para outros que estivessem deficientes. A ideia foi considerada genial, pois foi adotada como resposta do governo petista ao racionamento tucano de 2001. À época, os consumidores foram obrigados a reduzir o consumo por oito meses e, quando o fornecimento voltou ao normal, a tarifa foi reajustada. Assim, Dilma ganhou o status de grande gestora. Uma década depois, Dilma, sob o pretexto de inovar a gestão do setor, criou, em 2012, mecanismos para forçar a redução da tarifa elétrica. Em pouco mais de um ano, a medida popular se transformou em uma dor de cabeça para o governo.

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IMAGEM PREJUDICADA
Em 2012, a presidenta Dilma Rousseff criou mecanismos para forçar a redução
da tarifa elétrica. Em pouco mais de um ano, a medida popular
se transformou em uma dor de cabeça para o governo

Nem todas as empresas concessionárias aderiram à proposição, feita por meio de medida provisória, e o governo terá de desembolsar R$ 20 bilhões para subsidiar as distribuidoras de energia elétrica que não conseguiram operar no mercado regulado pelo Estado. O governo jogou a toalha e admitiu que não poderá continuar com o prejuízo. Com isso, o aumento da tarifa será repassado ao consumidor. O governo ainda conseguiu empurrar o impacto da ação para 2015. Depois das eleições, o consumidor deve esperar aumento de 15% a 20% na conta de luz.

Os aumentos na conta de luz e na bomba de gasolina ficarão para 2015, mas nos últimos três meses as famílias não conseguiram encher os carrinhos nos supermercados e voltar para casa pagando a mesma conta. O aumento consecutivo no custo dos alimentos em 2014 alertou os analistas econômicos para o risco de a inflação bater no teto estabelecido pelo próprio governo. A equipe econômica argumenta – contra os que chama de “alarmistas” – que o preço dos mantimentos subiu devido à mesma estiagem que colocou as termelétricas para operar. Os serviços, que também puxaram os índices, ficaram mais caros em março graças à grande demanda do turismo de Carnaval. Mas, para o consumidor, o trauma das máquinas de remarcar preços do início da década de 1990 ainda segue vivo na memória. O Planalto está preocupado. Inflação alta foi o que ajudou a puxar a queda de popularidade da presidenta na última pesquisa Datafolha. Aliados do senador Aécio Neves (PSDB-MG), adversário de Dilma na corrida presidencial, já pegam carona nos números do mercado para atacar o governo. “A inflação é resultante da péssima gerência dos gastos públicos e da perda de credibilidade do Brasil junto aos investidores internacionais”, afirma o senador Cyro Miranda (PSDB-GO).

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PREPARE O BOLSO
Depois das eleições, o consumidor deve esperar
aumento de 15% a 20% na conta de luz

Outra questão que o governo terá de enfrentar a partir do próximo ano é a política de reajuste do salário mínimo. Em 2011, o governo aprovou lei que garantia aumento real do salário, independentemente do patamar da inflação. A lei de reajuste é datada e precisa ser renovada em 2015. Analistas garantem que a medida ajuda a indexar os preços e contribui para a alta inflacionária. Agora, às vésperas da eleição, o governo precisa sinalizar se pretende ou não manter a política de recuperação do salário mínimo, mesmo se o preço a pagar for mais inflação.

O ano de 2015 promete ser de austeridade em todas as áreas. Na análise do cientista político Carlos Melo, Dilma Rousseff pegou o governo ao fim do ciclo de “16 anos exitosos” dos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Os oito anos de FHC, pontua Melo, se destacaram por melhorias institucionais e Lula conseguiu promover transformações históricas na área social nos seus dois mandatos. Ao fim do ciclo, o Brasil vivenciou um “esgotamento dos mecanismos” que coroaram as administrações anteriores. Para dar sequência aos anos de ouro, Dilma teria de apelar para a política, reunir a classe política e a iniciativa privada em grandes agendas para investir nos gargalos estruturais que ainda travam o desenvolvimento do País. As medidas impopulares para 2015 são imprescindíveis, afirma o cientista político. Carlos Melo acredita que sairá na frente o candidato que tiver a coragem de dizer isso claramente à população, em vez de usar a criatividade para lançar subterfúgios de curto prazo. “É preciso inverter a lógica dos marqueteiros e falar claramente: temos esses problemas e vamos resolver assim. Mas somente um líder com credibilidade poderia conquistar a confiança da população para dizer que o esforço de 2015 garantirá uma vida melhor em 2018. Para isso, é preciso política. Os gerentes são fundamentais para qualquer governo, mas não o bastante”, afirmou.

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