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Para marcar o dia Mundial da Saúde e o Dia Nacional de Protesto contra os Planos de Saúde, celebrados nesta segunda-feira, médicos de diversas partes do país vão promover diferentes tipos de ações, inclusive suspendendo o atendimento de planos.

No topo da pauta das reivindicações está o valor pago pelas operadoras de saúde por consultas e procedimentos, considerado "incipiente" por organizações médicas e por profissionais ouvidos pela BBC Brasil.

Apesar de algumas pequenas vitórias, o problema vem se arrastando há anos. Tanto que o slogan usado neste protesto pela Associação Paulista de Medicina é inspirado em uma campanha de 15 anos atrás: "Tem plano de saúde que enfia a faca em você e tira o sangue dos médicos”.

Diante desse cenário, um número crescente de profissionais – de pediatras a oftalmologistas – vêm criando alternativas para driblar os valores pagos pelas operadoras de saúde e condições impostas por elas.

Uma das estratégias mais comuns é um médico que não atende um plano de saúde cobrar do paciente com plano não o valor da consulta particular, mas sim a quantia paga como reembolso pelo plano.

Mas como isso funciona na prática? O caso da publicitária Juliana Linhares é um bom exemplo. Após descobrir um problema no joelho, conseguiu fazer seu tratamento com um ortopedista de confiança apenas porque ele aceitava esse tipo de pagamento. Como não atendia o plano de saúde dela, o médico cobrou o valor mínimo de sua consulta particular (R$ 300) e deu dois recibos, no valor de R$ 150 cada. Juliana pagou e usou as notas dadas pelo médico para pedir reembolso a sua operadora de saúde, que era de R$ 120 para consultas desse tipo.

"No total, recebi R$ 240 do plano. Arquei com a diferença de R$ 60. O ideal, claro, seria não gastar nada, visto que já pago a mensalidade do plano. Mas não encontrei um médico de confiança entre os conveniados. Então, essa foi uma boa alternativa", disse Juliana.

Mais fôlego

Essa prática alternativa de cobrança vem ganhando força, tanto que ela é incentivada inclusive pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que analisa uma proposta de retirar as consultas dos contratos entre médicos e operadoras.

Pelo projeto, as consultas não integrariam os planos contratados pelos pacientes. Ele cobraria apenas exames, internações e outros procedimentos similares. Já as consultas seriam pagas diretamente pelo paciente ao médico, que realizaria o mesmo procedimento que o ortopedista no caso citado acima.

Ele daria um recibo pela consulta, com o qual o paciente poderia solicitar o reembolso do valor com a operadora de seu plano de saúde.

"Nossa proposta vem ganhando força porque a classe médica está muito impaciente e desmotivada", disse à BBC Brasil o médico Aloísio Tibiriçá, vice-presidente do CFM.

"É claro que não é o cenário ideal, já que acaba sendo cômodo para os planos de saúde. Mas é uma alternativa para se evitar um desgaste progressivo na relação entre profissionais da saúde e operadores."

Demora para pagar

Segundo Tibiriçá, no momento, os pacientes vêm se deparando com médicos desmotivados, que estão progressivamente abandonando os planos de saúde – além de operadoras incapazes de disponibilizar uma oferta razoável de profissionais para evitar uma demanda crescente – alta de 4,6% no ano passado.

"Estamos nas mãos dos planos. Eles demoram até mais de dois meses para pagar, por vezes não pagam determinada consulta ou exame e não há um extrato claro para se descobrir o motivo", diz Tibiriçá.

"Para piorar, a ANS (Agência Nacional de Saúde Complementar, órgão do governo que regulamenta o setor) é complacente com as operadoras de saúde, não ouve nossas propostas e também não faz a ponte entre a classe médica e os planos."

A ANS disse à BBC Brasil que as críticas são infundadas, já que há vários canais de diálogo com os médicos, como a recente criação de um comitê para incentivar boas práticas entre operadoras e médicos, para estreitar o diálogo entre as partes.

Segundo a agência, também não é verdadeira a afirmação de que não há diálogo, já que há "reuniões em grande periodicidade para se debater temas pertinentes”.

A insatisfação dos médicos em relação aos planos parece permear todas as especialidades e com profissionais em diversos momentos de suas carreiras.

Planos lideram ranking de reclamações

Pelo segundo ano consecutivo, o setor de planos de saúde lidera o ranking de queixas recebidas pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), de acordo com balanço divulgado no mês passado. 

Os planos de saúde estão no topo da lista, com 26,6% das demandas feitas à entidade em 2013, com acréscimo de 6,26 pontos percentuais em relação a 2012. Em seguida, vêm serviços financeiros (16,73%), produtos (13,05%) e telecomunicações (12,53%). 

Sobre planos de saúde, as queixas mais recorrentes são negativa de cobertura, reajustes abusivos. O setor de saúde privada abrange cerca de 50 milhões de brasileiros.

Pelo prisma do médico, a proposta também é interessante, já que ele evitar perder pacientes, ganha mais do que receberia do plano e é pago na hora – ao invés de esperar até dois meses para receber os honorários pagos pelo plano.

NEUROLOGIA

Para o neurologista clínico Rogério Adas, estamos vivendo uma roda-viva, no que diz respeito a planos, médicos e pacientes. "A medicina tem de ser tratada como um modelo social. Esse caráter mercantilista que persiste no momento tem uma lógica perversa e traz apenas resultados crueis", diz o neurologista, que não atende planos.

"Atendo convênios na emergência dos hospitais onde trabalho, mas em consulta não dá para sobreviver com o valor pago por eles. Não tenho como atender dezenas de pacientes por dia, não há como um neurologista fazer uma consulta rápida – precisamos saber a história do paciente em detalhes."

PEDIATRIA

Ele explica que simpatiza com a proposta do CFM e que já costuma negociar diretamente com o paciente. "Tem quem pague o valor pago pelo reembolso do plano, tem quem pague metade do valor da minha consulta. Medicina não é uma roupa que você compra no shopping, algo supérfluo."

Outro profissional que costuma fazer consultas demoradas é o pediatra, especialmente quando o paciente é um bebê ou uma criança pequena que ainda não fala.

"Na pediatria, há muitos médicos se descredenciando de planos de saúde. A remuneração paga é incipiente. Por isso, abandonar os planos e cobrar direto do paciente o valor do seu reembolso é uma boa opção para se ter um ganho um pouco melhor", diz o pediatra Marun David Cury, que também é diretor de Defesa Profissional da Associação Paulista de Medicina.

OFTALMOLOGIA

"Conforme fui avançando na minha carreira, fui abrindo mão dos planos de saúde. Meu consultório estava muito cheio, caótico, era complicado fazer um encaixe para paciente antigo", diz o oftalmologista Rubens Belfort Neto, chefe do setor de oncologia ocular da Unifesp.

"Ainda atendo alguns planos, mas cada vez menos. E vejo mais e mais colegas abrindo mão deles, porque os honorários são baixíssimos."

GINECOLOGISTA

"Há três anos, coloquei os gastos que eu tinha com o consultório (de aluguel a aparelhos) e percebi que, com os convênios que atendia, estava praticamente trabalhando de graça", afirma o mastologista Daniel Gallo.

"Hoje, sem atender planos, faço apenas cinco consultas por dia, dou muito mais atenção aos pacientes e ganho quatro vezes mais do que antes",

Ele explica que quando o cliente tem plano, ele cobra o valor mínimo da consulta particular (R$300), dá o recibo para se obter o reembolso, e o paciente arca com a diferença entre esses valores.

IMUNOLOGIA

Até os profissionais com menos tempo de carreira estão encontrando maneiras se distanciar dos planos.

"Pouco depois que me formei e terminei a residência (há 4 anos), fui me conveniar a seguradoras de saúde. Algumas chegaram a me cobrar entre R$ 70 mil e R$ 100 mil. Para mim, era totalmente inviável", diz Paula Meireles, alergista e imunologista.

"Então, comecei a atender por reembolso. Às vezes, o valor que o paciente recebe é um pouco valor do mínimo que eu cobro. Mas ele não liga de pagar algo como R$ 40 a mais, por uma consulta com mais tempo."

"É claro que já tomei cano, com cheques sem fundo. Mas prefiro assim, acho mais honesto com o paciente e comigo mesmo."

Paula explica que por enquanto não consegue viver apenas do seu consultório e por isso tem um emprego fixo em um hospital. Mas mesmo assim não pretende atender planos de saúde no momento. "Aos poucos, com o boca a boca, meu número de pacientes está aumentando."

Segundo ela, se fosse credenciada, teria muito mais pacientes visto que seu consultório estaria listado no livrinho de alguma grande operadora. "Mas isso me geraria outros custos, como contratar uma secretária só para mim para cuidar da papelada do plano."