Naquela manhã ensolarada de sábado, 4 de novembro, era mais um dia de visita na Penitenciária Feminina de Ribeirão Preto. Dezenas de pessoas se aglomeravam na entrada do presídio. Com um bolo de chocolate nas mãos, encimado pelo número 23 escrito em letras de glacê, o advogado Denivaldo Barni rompeu as grades de aço das celas da área de segurança e abriu um sorriso diante da prisioneira mais famosa do Brasil. Cumpria-se, naquele momento, o 105º dia da pena de 39 anos e seis meses de reclusão a que Suzane Louise von Richthofen – a aniversariante do dia – foi condenada pelo assassinato dos pais. As notícias, porém, eram boas: na matemática da Justiça, Suzane, com seus tenros 23 anos de idade, ganhará a liberdade em mais dois.

O largo sorriso de Suzane durante a pequena festa pode ter, ainda, outra razão de ser. Ela, que havia acabado de limpar o “seguro”, como sua cela é chamada pelas outras 347 detentas, pode se tornar uma milionária. Promotores públicos desconfiam que estão no nome dela duas bem fornidas contas num banco suíço. Uma denúncia anônima encaminhada aos Ministérios Públicos federal e estadual dá como certo que as contas 15.616 e 15.6161, abertas em 1988, no Discount Bank and Trust Company (DBTC), atual Union Bancaire Privée, pertencem a família Richthofen. Estima-se que essas contas abriguem pelo menos dez milhões de euros, dinheiro supostamente desviado das obras do Trecho Oeste do Rodoanel – uma estrada que circunda a cidade de São Paulo, orçada em R$ 339 milhões, mas que acabou consumindo mais de R$ 1 bilhão dos cofres públicos. A construção do trecho foi administrada pela autarquia Companhia de Desenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa), empresa da qual o pai de Suzane, Manfred von Richthofen, era diretor quando foi assassinado. Os promotores desconfiam que essas contas estejam em nome de Suzane. Se essa impressão se confirmar, acreditam que a condenada tem boas chances, uma vez em liberdade, de manter seus direitos sobre elas – e a fortuna nelas guardada.

Além dos números das contas suíças, o documento encaminhado aos MPs detalha outras instituições financeiras com as quais Manfred operava. Segundo a denúncia, parte do dinheiro passava pela agência da avenida Paulista do Citibank, na conta 00031025587, e de lá migrava para fundos de investimentos da própria instituição. Outras duas contas correntes, ambas na Nossa Caixa, teriam recebido aportes consideráveis pouco antes da morte de Manfred. E mais: os promotores suspeitam que a viagem que o casal Richthofen fez à Suiça, um mês antes de morrer, foi exatamente para tratar das finanças aportadas no Exterior. Ainda segundo a denúncia, Manfred usou a documentação de sua filha para lavar esses milhões de reais. Ou seja, tecnicamente ela é dona do dinheiro.

Os promotores, é claro, estão prontos para inquirir Suzane sobre o assunto. Nos próximos dias, tanto ela como os irmãos Daniel e Christian Cravinhos, que executaram os crimes, serão chamados para contar o que sabem. Logo após os assassinatos, Daniel, então namorado de Suzane, chegou a falar no inquérito policial sobre essas possíveis contas de Manfred no Exterior. Ele acrescentou que Suzane fora levada pelo pai a assinar vários documentos bancários sem saber, precisamente, a finalidade.

Na bolsa de apostas internas na Dersa e nos corredores da Assembléia Legislativa de São Paulo, onde um pedido de CPI para investigar o caso foi abortado, os palpites para o suposto superfaturamento do Rodoanel chegam às cifras dos R$ 100 milhões. A obra, que a denúncia anônima aponta como sendo a torneira dos euros nas contas dos Richthofen, foi condenada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que a julgou irregular. Os promotores já sabem que Manfred era reconhecido na Dersa como um expert em operações financeiras. A denúncia sobre a existência das contas no Exterior já fora feita anteriormente, três anos atrás. Na ocasião, os promotores estaduais arquivaram o processo que fora aberto. Desta vez, porém, eles acreditam que a história se tornou mais crível, devido às qualidades dos documentos apresentados. Extremamente meticuloso, num texto de seis páginas, o denunciante expõe quem é quem no suposto esquema mafioso traçado por Manfred. Apresentam-se endereços e CPFs e, nas duas últimas páginas da carta, uma detalhada relação das propriedades da família Richthofen, as contas bancárias no Brasil e no Exterior, além dos comprovantes de empresas de Manfred que ainda estão na ativa. “Aparecem na nova denúncia vários nomes, números de contas e até empresas de Manfred com dados de seus sócios que nós não conhecíamos”, disse a ISTOÉ um representante do MP. As possíveis testemunhas já começaram a ser ouvidas. Uma semana antes de comemorar o aniversário de Suzane, o advogado teve de comparecer diante do promotor da cidadania Eduardo Rheingantz para falar sobre o assunto. Barni, além de ser ex-tutor de Suzane, é procurador da Dersa. “Seu depoimento foi muito bom”, limita-se a dizer o promotor Rheingantz. O processo corre em segredo de Justiça.

Rica, poliglota – fala inglês, francês e alemão com fluência – e vaidosa, Suzane foi criada numa mansão em uma área nobre da cidade de São Paulo. Hoje, na Penitenciária de Ribeirão Preto, ela vive em silêncio boa parte do dia. Em muitos momentos, dedica-se a uma compulsiva leitura da Bíblia e mantém contato com o mundo externo através de um pequeno aparelho televisor. Sua cela é dividida com outras duas detentas, acusadas de ser advogadas da organização criminosa PCC. Mesmo responsabilizada pela morte do pai e da mãe, Suzane trava uma briga judicial com o irmão Andreas pelos R$ 2 milhões de patrimônio oficial deixado por Manfred. Andreas já recebeu R$ 300 mil pelo seguro de vida do pai – e também a parte desse dinheiro Suzane considera ter direito. O rapaz tenta se recuperar da perda debruçando-se sobre os livros, dizem os amigos. Andreas, 19 anos, é estudante de farmácia na USP. Ele carrega uma dúvida, que tem a ver com o homem que levou o bolo de chocolate para sua irmã. “Se esse Barni era realmente amigo de meu pai, como eu nunca ouvira falar dele antes do crime?”, costuma perguntar a seus colegas. O irmão define a relação de Suzane com o ex-tutor como “estranha”.