Uma ampla pesquisa divulgada na última semana colocou em xeque um dos pilares usados até hoje para a prevenção das enfermidades cardiovasculares. De acordo com o trabalho, não há evidências científicas fortes o bastante para assegurar que o consumo das gorduras saturadas – presentes em alimentos como carne vermelha, manteiga e queijos – aumenta o risco de ocorrência de infarto e de acidente vascular cerebral (AVC). Tampouco existe comprovação definitiva de que as chamadas gorduras do bem, as polinsaturadas, encontradas no azeite de oliva, abacate e amêndoas, por exemplo, realmente protegem o coração como sempre se acreditou. Ou seja, de uma vez só, o trabalho jogou por terra duas certezas a respeito do que seria a dieta ideal.

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REFLEXÃO
Para Faria Neto, pesquisa inicia debate sobre quantidade ideal de consumo

Publicada na “Annals of Internal Medicine” – uma das mais importantes revistas científicas do mundo –, a pesquisa foi realizada por um time internacional de cientistas coordenado por Rajiv Chowdhury, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Os autores revisaram 72 estudos que haviam sido realizados anteriormente em 18 países, envolvendo cerca de 600 mil participantes. Entre eles, constavam 27 trabalhos randomizados, considerados o padrão ouro da investigação científica (eles comparam duas ou mais intervenções, aplicadas de maneira aleatória aos voluntários). O modelo de trabalho escolhido pelos pesquisadores é chamado de metarrevisão e tem sido bastante utilizado na busca pela confirmação de evidências sobre a eficácia de uma técnica.

Os pesquisadores observaram não só a dieta que os participantes informaram, mas também as concentrações de gordura na corrente sanguínea e no tecido de gordura reportadas. Na conclusão, foram enfáticos: “As evidências atuais não suportam claramente as recomendações que encorajam o alto consumo de gordura polinsaturada e a baixa ingestão de gorduras saturadas.” A única orientação atual confirmada pela revisão foi a de não ingerir alimentos com gordura trans, como biscoitos, sorvetes, salgadinhos e frituras.

As gorduras saturadas sempre estiveram associadas a risco cardiovascular porque aumentam as taxas do LDL, chamado de mau colesterol porque se deposita nos vasos sanguíneos – o que eleva a chance de infartos e AVC. No entanto, na explicação de Chowdhury, seu consumo tem impacto sobre uma partícula do LDL que não seria tão prejudicial. A parte que realmente leva perigo seria influenciada não pela gordura saturada, mas pelo carboidrato, presente em massas, pães e doces.

Diante das conclusões, os cientistas defendem uma revisão das recomendações em vigor. “Estes resultados são interessantes e potencialmente estimulam novas linhas de investigações científicas e encorajam à realização de uma reavaliação cuidadosa das orientações atuais”, argumentou Chowdhury.

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Recentemente, outros especialistas levantaram discussões sobre o real peso das gorduras no desenvolvimento das doenças cardiovasculares. Em artigo publicado no “British Medical Journal”, também conceituada revista científica, o cardiologista Aseem Malhotra, do Croydon University Hospital, de Londres, afirmou: “É hora de acabar com o mito do papel da gordura saturada na doença cardíaca.” Segundo o especialista, evidências mostram que a recomendação de diminuir a ingestão desse tipo de gordura levou, na verdade, a um aumento no risco cardíaco. Malhotra citou a evolução do problema nos Estados Unidos como argumento. Naquele país, o consumo de calorias derivadas de gordura declinou cerca de 40% nos últimos 30 anos. No entanto, a obesidade só cresceu nesse mesmo período. Uma das razões seria o fato de que a indústria alimentícia teria compensado a queda do consumo de gordura substituindo o nutriente com adição de mais açúcar.

Por enquanto, porém, as sociedades especializadas em cardiologia não pretendem mudar suas recomendações de restrição de ingestão de alimentos ricos em gordura saturada. Hoje, preconiza-se que no máximo 5% do total energético de uma dieta de cerca de duas mil calorias deva ser proveniente desse nutriente. “Mas o estudo desencadeou uma reflexão. Será que o consumo precisa mesmo ser tão restrito?”, diz o cardiologista José Rocha Faria Neto, presidente do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia e professor da PUC-Paraná. “Mas não sabemos ainda o quanto mais pode ser liberado. O importante é que hoje há consenso de que a culpa não é de um nutriente específico. Por isso, o importante é ter um padrão alimentar saudável como um todo.”

FOTO: João Castellano/Istoé 


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