A estilista mineira Zuzu Angel é um dos símbolos da luta contra a ditadura por sua busca incansável pelo filho Stuart Angel Jones (1946-1971), militante de esquerda que desapareceu durante os anos de chumbo. A dor da mãe que não pôde sequer enterrar seu rebento ilustrou suas criações e permeou a trajetória profissional até a morte, em 1976, aos 55 anos, em um suspeito acidente de carro no Rio de Janeiro. Agora, quando se completam cinco décadas do golpe militar, Zuzu receberá várias homenagens. Na segunda-feira 31, seu trabalho será reverenciado no São Paulo Fashion Week e, no dia seguinte, será aberta a megaexposição “Ocupação Zuzu”, no Itaú Cultural, também na capital paulista. Em agosto, a mostra segue para o Rio de Janeiro. A filha da designer, a jornalista Hildegard Angel, estuda o relançamento da grife e colabora para a criação da Casa Zuzu Angel de Memória da Moda do Brasil, na Usina da Tijuca, zona norte do Rio, numa antiga propriedade da família. Lá, funcionará o projeto Museu da Moda, que contará com mais de quatro mil peças do acervo da família e promoverá cursos. A volta da moda criada pela estilista coincide com uma tendência mundial de renascimento de grifes que brilharam no passado. Na Semana de Moda de Paris, em janeiro, ressurgiu a marca italiana Elsa Schiaparelli (1890-1973), na esteira do relançamento, em 2011, da francesa Courrèges, que, por sua vez, deu sequência ao movimento iniciado em 2008 de grifes como Vionnet, Irfe, Herbert Levine, Roger Vivier e Moynat.

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INSPIRAÇÃO
Zuzu em Nova York: estilista aliou talento artístico e luta política nas suas criações

Além de croquis e vestidos, a “Ocupação” terá mais de 400 itens, entre fotografias, vídeos, cartas, manuscritos e muito material inédito (leia quadro). “A lembrança da moda dela está muito atrelada a seu envolvimento político. Se a marca vier revitalizada e bem conduzida, terá seu lugar”, diz a consultora de moda Hiluz del Priore. Hildegard está trabalhando nesse sentido. “Formei um grupo de planejamento de negócios para estudar a melhor forma de retomar a grife. Encontrei uma pessoa que se apaixonou pelo universo dela e pode conduzir a direção criativa da marca”, diz ela, referindo-se a Alice Tapajós, diretora de estilo da marca Zibba e estilista mais cotada para assumir o projeto. A arte de Zuzu voltaria, então, por meio de novos modelos e estampas, muitas delas repletas de pássaros e anjos. Uma referência à liberdade, direito que deveria ser respeitado acima de tudo, como pregava. “Relançar grifes é uma tendência de negócios no mundo da moda. O nome conhecido é uma facilidade para o comprador e para o marketing da marca”, diz Hiluz.

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FAMÍLIA
Acima, a design com seus filhos: Hildegard, Ana Cristina e Stuart

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HISTÓRIA
Manuscrito da estilista mineira que estará presente
na megaexposição "Ocupação Zuzu"

Quem quiser conhecer melhor o trabalho de Zuzu pode conferir a exposição de São Paulo. A história da estilista será recontada também por modelos e atrizes que desfilarão pelos três andares da mostra vestidas com peças icônicas e com a função de estimular os visitantes a participarem, lendo trechos de cartas e poemas. “Elas usarão vestidos até do famoso desfile-protesto”, afirma Claudiney Ferreira, um dos curadores da mostra, se referindo à célebre exibição que aconteceu em 1971 na casa do cônsul-geral do Brasil, em Nova York. A brasileira aproveitou o evento para denunciar ao mundo o que aconteceu com Stuart – seu filho com o americano Norman Jones. Porém, sem abandonar o bom gosto e a criatividade que a consagraram, com peças repletas de bordados, rendas e estamparias.

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POSE
Modelo americana com look Zuzu Angel:
pioneira na moda folclórica e étnica

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“Ela criou uma linguagem dentro da moda para simbolizar a procura do corpo do seu filho e radicalizou isso até chegar ao luto. Era muito original e moderna”, diz o curador Ferreira. “Zuzu foi a primeira a impor uma moda folclórica e étnica, antes mesmo dos nomes consagrados no Exterior, como Christian Lacroix”, afirma Hildegard. A ideia é que o visitante receba uma visão diferente de um passado não tão distante e que ainda não consta, por completo, nos livros escolares. Como diz a filha: “Os jovens podem aprender história por meio da arte.” E da moda.

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Fotos: Agência o Globo; Divulgação Itau Cultural