Um novo selo sobre as obras de arte e bens culturais brasileiros tem causado desconforto no mercado de arte nacional. A chancela de interesse público, que passa a valer em abril, será concedida (ou não) por um conselho consultivo criado pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Com a justificativa de preservar a memória e a cultura nacionais, toda obra de artistas brasileiros, mesmo as que pertencem a coleções privadas, passa a estar na mira do poder público por meio do instituto. E esse controle causa divergências sobre a necessidade da chancela no mercado de arte. Alguns especialistas acreditam, porém, que a medida chega tarde: se tivesse sido criada há mais tempo, poderia ter evitado a saída do País de telas como “Abaporu”, hoje no acervo de um museu argentino.

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CONTROLE
"Devaneio", de Di Cavalcanti, "Palmeiras", de Tarsila do Amaral, e "Retrato de
João Candido com Cavalo", de Candido Portinari, de coleções particulares:
a partir de abril, seu empréstimo passará a ser decisão também do governo

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Colecionadores e galeristas protestam contra os poderes dados ao grupo que compõe o Ibram, como o de inspecionar os acervos a serem “tombados”. Os critérios foram estabelecidos pelo Decreto 8.124, assinado pela presidenta Dilma Rousseff em outubro do ano passado, cujas ações vão da inspeção ao veto de empréstimos, podendo chegar à desapropriação. As ações começarão a partir de 14 de abril, quando a comissão tomará posse.

“Custo a aceitar esse tipo de ingerência do poder público sobre obras privadas, justo quando a arte brasileira está em alta no Exterior”, afirmou a galerista Anita Schwartz. Para o advogado paulista Roberto Dias da Silva, que participou da comissão da OAB de São Paulo que analisou o decreto, o texto deixa muitas dúvidas e contém artigos inconstitucionais. “O decreto cria insegurança jurídica. Até parece ignorar a inviolabilidade do domicílio, quando trata das inspeções aos bens que serão avaliados”, ressalta o advogado.

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Em debate promovido em fevereiro pela revista “seLecT”, a presidenta da Associação Brasileira de Arte Contemporânea, Eliana Finkelstein, confirmou uma retração do mercado com o temor de terem suas obras desvalorizadas ou impedidas de circular. “Começo a ouvir por parte das instituições que colecionadores não estão confortáveis para emprestar (suas obras) para exposições. Isso era raríssimo”, afirmou Eliana. A íntegra do debate está disponível no site da revista “seLecT”: https://vimeo.com/revistaselect.

O curador-chefe da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Ivo Mesquita, vê exagero nas desconfianças, mas enxerga o impacto da burocracia na realização de eventos: “Como a coleção da Pinacoteca é tombada, teremos que duplicar procedimentos”, diz o curador. “A medida também nos afeta, pois os colecionadores podem ficar mais temerosos de fazer empréstimos, por estarem revelando ao Ibram que possuem determinada obra.” Mesquita acredita que reunir peças para exposições com nomes consagrados pode ficar mais difícil, mas defende o selo, que segue o exemplo de países europeus.

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O decreto obriga o dono a informar ao Ibram toda a movimentação das peças, seja um mero transporte ou o processo de venda. Em caso de leilão, o poder público teria preferência de compra. A divulgação dos nomes que comporão a comissão deu um pouco de alívio ao mercado, já que os integrantes têm notório trabalho prestado às artes. A colecionadora mineira Angela Gutierrez é uma das integrantes.

“As pessoas confundem propriedade com patrimônio. Os colecionadores não perderão seus direitos nem as residências serão invadidas”, diz ela. O filho do pintor Candido Portinari, João Candido, também integrante do conselho, apoia a intervenção do Estado: “Se alguém tiver uma obra de Aleijadinho em casa e uma goteira se abrir sobre ela, ninguém tem nada a ver com isso?” Presidente do Ibram, Angelo Oswaldo de Araújo Santos acha que há motivações políticas nas críticas ao decreto. Ele diz que o Ibram não fará nada diferente do que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) faz há mais de 70 anos, quando o assunto é patrimônio arquitetônico. “É importante para o País saber o destino de certas obras.”

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FOTOS: Divulgação; MARCIO FERNANDES/AE; The Adolpho Leirner Collection of Brazilian Constructive Art at the Museum of Fine Arts

 


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