Duas pesquisas recém-divulgadas revelam que os brasileiros não são tão solidários quanto parece. O País vem despencando no ranking internacional de solidariedade World Giving Index. Em 2013, ficou em 91º lugar, caindo oito posições em relação a 2012. Quando a lista foi divulgada, pela primeira vez, em 2010, o Brasil ocupava o 76º lugar. No fim de fevereiro, outro estudo mostrou que 73% da população não se sente estimulada a fazer doações ou trabalho voluntário. “Somos generosos com pessoas próximas, mas não com desconhecidos. O Brasil não é um país solidário”, afirma Paula Fabiani, diretora-executiva do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), que realizou o levantamento. A pesquisa do Idis aponta ainda que, quando abrimos a mão, a preferência é pelos pedintes, que recebem 30% da ajuda. Organizações não governamentais (ONGs) levam só 14%. “É uma forma assistencialista de doação que não resolve os problemas da sociedade no longo prazo”, diz Paula Fabiani. A diretora-executiva da Associação Brasileira de Organizações não Governamentais (Abong), Adriana Ramos, concorda: “As pessoas preferem dar esmolas em vez de doar para ONGs porque não sabem como as organizações poderiam potencializar aquilo, numa ação mais estratégica”, diz.

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AJUDA EVENTUAL
Voluntários organizam doações às vítimas de
enchentes da região serrana do Rio, em 2011

Segundo especialistas, as escolas deveriam estimular a ajuda ao próximo, mas dificuldades institucionais também emperram a solidariedade no Brasil. Com mais transparência, por exemplo, a população desconfiaria menos das organizações. Com os escândalos de corrupção envolvendo convênios entre o poder público e ONGs, a reputação dessas entidades sofreu um baque. Para melhorar essa situação, tramita no Senado um projeto estabelecendo novas regras para a contratação dessas organizações, que visa aumentar a transparência e facilitar a prestação de contas dessas ONGs. Além disso, pouca gente sabe que é possível abater impostos através de doações – embora o complicado processo afaste também quem conhece o sistema.

A atuação das empresas pode estimular a solidariedade, mas tem prós e contras. De acordo com o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Mario Aquino Alves, especialista em ações da sociedade civil, o fato de as empresas considerarem trabalho voluntário como um diferencial na hora da contratação pode estimular pessoas a se engajarem nessas atividades, mas o perigo é, depois da contratação, as companhias abusarem dos funcionários. “Pode haver uma decisão de cima para baixo. Aí já não é mais trabalho voluntário, é sobretrabalho, no qual o empregado ajuda a melhorar a imagem da organização”, afirma.

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"Tenho a impressão de que no Brasil as pessoas
estão extremamente voltadas ao próprio umbigo"

Corine Goldenberg, voluntária no Graacc

Paula Fabiani, do Idis, diz que doações seriam estimuladas se houvesse possibilidade de fazer, via empresas, descontos na folha de pagamento para doações. Outra ideia que ganha força é o financiamento coletivo. Nele, uma causa é divulgada na internet e recebe ajuda de várias fontes. “Esse modelo tem sido interessante para pequenos projetos”, afirma Alves, da FGV. Uma iniciativa que será lançada em 20 de março é a rede social Mottirô. Nela, os usuários poderão fazer doações a projetos de caridade. “A gente criou esse sistema para a pessoa conhecer a causa, doar com um clique e acompanhar os resultados”, diz o presidente da empresa, Junior Gonçalves.

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Estudiosos afirmam, porém, que é necessário um esforço conjunto do governo, das empresas e da sociedade civil para resolver os problemas sociais no Brasil. Além disso, destacam a importância da participação da população, que normalmente só se mobiliza para ajudar quando ocorrem grandes tragédias, como as enchentes, por exemplo. “Tenho a impressão de que aqui as pessoas estão extremamente voltadas ao seu próprio umbigo”, diz Corine Goldenberg, que há oito anos faz trabalho voluntário no Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graacc).

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Fotos: Isadora Brant/Folhapress; Rafael Hupsel


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