O filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) dizia que a história se repete como tragédia e, depois, como farsa. A tese de Marx poderá ser consagrada no Brasil nos próximos dias. Às vésperas dos 50 anos do golpe militar, grupos de extrema-direita estão organizando para o sábado 22 o ato: “Marcha da Família com Deus II – O Retorno”. A manifestação é uma tentativa da reedição da passeata que, em 19 março de 1964, reuniu mais de 500 mil pessoas no centro da capital paulista contra o governo do presidente João Goulart (1919-1976). Organizada à época por setores conservadores da sociedade, empresários e donas de casa, a revolta dos paulistas era uma resposta às reformas de base do governo Jango, como era conhecido o presidente Goulart, que previam medidas econômicas e sociais de caráter nacionalista, com uma maior intervenção do Estado na economia. As mobilizações, que ficaram conhecidas como “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, um misto de protesto com procissão católica, antecederam o golpe militar de 1964, que, poucas semanas depois, abriu o período ditatorial brasileiro.

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ATRASO
Em 1964, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade fez parte do conjunto
de eventos que levaram à ditadura militar. Agora, a extrema direita
pede a volta dos militares e diz temer um golpe comunista

A marcha atual foi convocada pelas redes sociais, recebeu apoio de lideranças evangélicas e de setores ligados à extrema direita. O grupo diz contar com a simpatia do filósofo Olavo de Carvalho e até de Denise Abreu, a petista que mandou na aviação civil no governo Lula e ficou famosa por sua predileção por charutos. Até a tarde da quinta-feira 13, porém, a passeata contava com apenas 983 pessoas confirmadas no Facebook. “Essa convocatória é mais um erro histórico”, afirma o teólogo Fernando Altemayer, professor da PUC-SP. Sem meias palavras, o professor avalia que a versão 2014 da Marcha com Deus é tão sem nexo que as principais bandeiras do ato remontam um Brasil que envergonha os cidadãos de bem. “Ninguém de bom senso irá a uma convocação dessas. Será uma bola de sabão”, avalia Altemayer.

Segundo os organizadores da reedição da Marcha, o objetivo da passeata é o de lutar a favor da intervenção militar constitucional, pela dissolução do Congresso Nacional e intervenção em todos os governos estaduais e municipais e nos seus respectivos legislativos no combate à corrupção e à subversão. “Amigos patriotas, vamos todos juntos comemorar essa data tão importante para o nosso País! Cinquenta anos que o povo saiu às ruas pedindo democracia, justiça, liberdade e, acima de tudo, dizendo ‘não ao comunismo’”, diz a chamada para o evento nas redes sociais. Uma das militantes pró-marcha é a professora Ana Paula Logulho. Ela diz acreditar, de verdade, que a passeata irá “salvar o Brasil”. Paradoxalmente, a ativista diz que detesta política. “Toda e qualquer pessoa, independentemente de raça, credo, cor, escolha, será bem-vinda à Marcha da Família. Não é o momento de intrigas pessoais e muito menos de fazer política. A intenção é salvar o Brasil”, afirma. As páginas da internet ligadas à organização do evento divulgam uma lista de locais escolhidos para a concentração no dia 22. A maioria dos pontos são endereços do Exército ou da Polícia, mas há também locais públicos. Em São Paulo, o protesto anticomunista foi convocado para as 15h, com saída na Praça da República, em direção à Praça da Sé. No Rio de Janeiro, o evento partirá no mesmo horário da Candelária.

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Como tudo ultimamente no País se transforma em Fla-Flu político, do outro lado da trincheira grupos anarquistas e comunistas sem filiação partidária articulam a Marcha Antifascista, marcada para a mesma data também no Centro de São Paulo. A página da marcha no Facebook é coordenada por Ação Antifascita Brasil e Movimento Popular Revolucionário, com mais de duas mil adesões. “Setores ultrarreacionários querem trazer de volta a marcha fascista que deu aval ao golpe de 64 no Brasil”, diz o texto dos chamados “antifascitas”, que conclui: “Já que eles querem tanto a ordem, vamos trazer para a burguesia a verdadeira ‘baderna do povão’, pois, como disse o ilustre ditador Figueiredo, ‘prefiro o cheiro de cavalos ao do povo’.”

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Foto: Acervo UH/Folhapress


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