O espelhamento entre as esferas da realidade e da ficção é a questão central da mais recente obra de Janaina Tschäpe, em cartaz em São Paulo. Realizada em dois canais de vídeo, projetada em duas telas, a instalação “The Ghost in Between” joga precisamente com a duplicidade que sempre conduziu os processos de fabulação artística dessa artista nascida em Munique, na Alemanha, criada na exuberância da paisagem da Bocaina, em Minas Gerais, e hoje residente em Nova York.

Com uma estrutura circular, que não determina exatamente o início ou o fim, o vídeo poderia ter seu ponto de partida na cena de um barco que corta a água especular do rio Negro, no Amazonas, levando a artista sentada na proa. Na tela espelhada, o mesmo barco avança pelo rio, filmado desde outro ponto de vista. No lugar da artista, há uma figura feminina, de pé, com a aura mágica de uma santa de procissão ou de uma sereia. Na dualidade dessas duas figuras femininas – quase iguais, mas profundamente diferentes –, está sugerida a questão de fundo de toda a obra: o antagonismo entre os pontos de vista da magia/espiritualidade e da ciência.

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As viagens científico-exploratórias dos séculos XVIII e XIX no Brasil estariam representadas no filme pela figura da artista, que penetra na paisagem amazônica como um explorador que traz na bagagem sua cultura e seus processos civilizatórios. A sombrinha chinesa carregada por Janaina acaba por simbolizar todo um repertório estranho e invasivo nessa paisagem tropical.

O título da obra, segundo a artista, alude ao costume dos habitantes do alto Amazonas de procurar fantasmas em fotografias e nos próprios reflexos nas águas dos rios. “The Ghost in Between” (em português, algo como “o fantasma intermediário”) poderia sugerir também o campo intermediário, ponto de fusão, que aproxima, abstrai e questiona a dicotomia que sempre julgamos existir entre os universos da natureza e da cultura.

Fotos: Paula Alzugaray