Na onda de revisões históricas que têm aumentado a venda de livros no mundo todo, a conclusão a que os novos pesquisadores costumam levar o leitor é que quase tudo é pior do que se pensava. A mais recente biografia do descobridor da América, “Colombo – As Quatro Viagens” (Objetiva), do historiador Laurence Bergreen, mostra que o nascimento do Novo Mundo foi consequência de um jogo torpe e mesquinho, em que só valiam mais que o ouro a capacidade de mentir, matar, trair e fraudar. Segundo Bergreen, Cristóvão Colombo não era exímio em nenhuma dessas artes. E em nenhuma outra, pelo que o livro dá a entender. Mas se tornou o maior explorador da Era das Navegações sem conhecer o Oceano Pacífico ou entender de astronavegação, se escondendo atrás de uma tripulação de ladrões e desesperados a quem convencia com terras que ainda não tinha. Mentindo para seus contratados e contratantes – os reis espanhóis Isabel de Castela e Fernando de Aragão –, ele completou quatro viagens para a América procurando a China e acreditando que chegara à Índia. Foi traído por parte de sua tripulação, ex-piratas, mendigos e gente de sua família, que depois fatiou as terras descobertas pelo Almirante, assim proclamado pela coroa espanhola, que o enriqueceu e depois lhe tirou tudo.

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EX-HERÓI
Acima, tela de L. Prang mostra a chegada de Colombo à costa americana.
Abaixo, retrato do navegador que morreu desacreditado e pobre

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Métodos escusos de domínio que o pesquisador constatou em documentos como diários e correspondência (dele, dos filhos e de outros colonizadores) foram inaugurados pelo próprio marinheiro genovês. Colombo embalava suas estratégias colonizadoras, como o assassinato, a tortura e a escravização de índios (assim chamados por se acreditar estar em terras indianas), num discurso religioso e bajulador. Para agradar aos reis católicos, a quem se referia como “Nobilíssimos, Excelentíssimos e Poderosos Soberanos” e não cansava de cumprimentar pela expulsão de judeus e mouros da Europa, ele passou a justificar os atos de violência como gestos de cooptação de almas para a nova ordem cristã, a fim de “converter os povos distantes à nossa santa fé; a única fé”. Com a “chama de Cristo” (termo usado com frequência no diário que mantinha), ele provocou o suicídio de pelo menos 50 mil índios, introduziu o alcoolismo nas sociedades americanas e levou de volta para a Europa a sífilis. “Apesar de todas as lacunas, o diário continua a ser o melhor guia tanto das proezas quanto das fraudes de Colombo”, afirma o historiador. Bartolomeu de Las Casas, primeiro padre a ser ordenado nas Américas, é autor de um documento muito discutido ainda hoje entre os estudiosos da Era dos Descobrimentos. Na “Brevíssima Relação da Destruição das Índias”, de 1492, ele relata 12 milhões de almas “ceifadas” por cristãos, entre homens mulheres e crianças, a maioria a mando de comandados por Colombo.

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DEFESA
Cena de "1492 – A Conquista do Paraíso". O ator francês
Gérard Depardieu, que interpretou Cristóvão Colombo,
defendia o navegante como uma vítima da coroa espanhola

Bergreen percebe na crescente dramaticidade do discurso religioso um sinal de megalomania, de fanatismo com traços de demência que o levou à desmoralização e à decadência final. O navegador morreu pobre e ignorado pelo rei que o nomeou Dom e lhe confiou os três mais impressionantes exemplares náuticos do período: as naus Santa Maria, Niña e Pinta, a primeira a tocar a costa americana. Um de seus herdeiros trocou o pouco de direitos americanos que restou à família Colombo por algum dinheiro.

Entre a primeira e a segunda viagem, Colombo passou a se ver de fato como um enviado das alturas para fazer valer a missão espanhola de governar o mundo. “À medida que seguia viagem, o navegador se tornava mais alheio à realidade e se perdia em longas quimeras místicas”, descreve Bergreen. Com base na leitura ingênua que fizera do livro “As Viagens de Marco Polo”, durante muito tempo ele acreditou (e jurou aos reis) ter chegado à China, onde trataria de procurar o Kublai Khan para propor parcerias comerciais com a nação europeia. De acordo com o historiador, já na época o relato de Marco Polo não era levado em conta pela maioria dos novos especialistas navais.

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Livro sobre o descobridor, que chega ao Brasil:
diários são fonte de pesquisa

Colombo morreu sob um teto emprestado, pobre e destituído das maiores honrarias que um navegante poderia obter na época. Descobriu tantas terras por ser louco o suficiente para isso. E perdeu tudo pela mesma insanidade que o levou perto de ter um trono maior e mais poderoso que a própria Espanha.

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Foto: Library of Congress