"Deus não joga dados com o universo." Assim o físico alemão Albert Einstein explicitou sua frustração diante da monstruosa complexidade da mecânica quântica. O princípio de que partículas subatômicas, como elétrons, podem estar em mais de um lugar e em mais de um estado ao mesmo tempo – e podem influenciar umas às outras, mesmo que não estejam fisicamente conectadas – era tão contraintuitivo que parecia errado ou incompleto aos olhos do maior gênio do século XX. Esse mesmo princípio, no entanto, hoje está na base de uma máquina revolucionária, com potencial para solucionar alguns dos mais complexos problemas da humanidade: o computador quântico. 

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FRIO
Para funcionar, o processador de nióbio precisa
ser resfriado a 273 graus negativos

“Nosso foco está em aplicações que precisam de respostas além das que os computadores normais são capazes de fornecer”, disse à ISTOÉ Vern Brownell, diretor-executivo da empresa canadense D-Wave, primeira companhia a colocar no mercado uma máquina desse tipo. Ao contrário dos processadores comuns, que fazem cálculos de forma linear, um por um, os chips quânticos são capazes de testar múltiplas possibilidades ao mesmo tempo (confira quadro). Isso reduz dramaticamente o tempo necessário para realizar tarefas complexas, como a análise de grandes sequências de DNA ou os dados coletados por telescópios ao redor do mundo.

A D-Wave tem poucos, mas importantes, clientes. A gigante da tecnologia Google, a agência espacial americana (Nasa) e a fabricante de aviões de caça Lockheed Martin estão entre eles. Cada unidade do D-Wave Two, o computador quântico canadense, custa cerca de US$ 10 milhões. Seu chip, feito com um raro metal chamado nióbio, precisa ser mantido a baixíssimas temperaturas (-273° C) para funcionar. Isso é próximo do chamado zero absoluto, mais frio do que os mais distantes confins do universo. Além disso, o processador precisa ser totalmente isolado de qualquer interferência eletromagnética do exterior. Não à toa, a maior parte da estrutura da máquina, de cerca de dez metros quadrados, é dedicada à blindagem e ao sistema de refrigeração, que utiliza hélio líquido.

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CRIADOR
Geordie Rose é o fundador da D-Wave, a criadora dos
supercomputadores usados pela Nasa, pela CIA e pelo Google

Com uma máquina tão complicada e, ao mesmo tempo, tão promissora, há controvérsia sobre o real papel da mecânica quântica em todo o sistema. “Estou convencido de que efeitos quânticos provavelmente estão presentes no computador da D-Wave, mas não acho que, neste momento, eles tenham qualquer papel em ajudar a resolver problemas mais rápidamente do que em um computador comum”, disse à revista “Time” Scott Aaronson, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e um dos grandes estudiosos do assunto. “Toda inovação com potencial para mudar o mundo tem sua dose de polêmica”, rebate Brownell. “Fato é que as metas de desempenho estabelecidas por Google, Nasa e outros clientes foram atingidas e superadas, em muitos casos por larga margem.”

Especula-se que, no futuro próximo, os novos computadores quânticos poderão solucionar em oito horas problemas que processadores tradicionais levariam 100 anos.

Fundada em 1999 pelo Ph.D em física Geordie Rose, hoje diretor de tecnologia, a D-Wave passou anos como uma empresa de pesquisa teórica. Foi apenas em 2007 que os canadenses mostraram seu primeiro protótipo de computador quântico. Embora seja pequena – com 114 funcionários –, ela tem entre seus financiadores o fundador da Amazon, Jeff Bezos, e a CIA, a agência de Inteligência dos Estados Unidos. O interesse por esse tipo de tecnologia é óbvio, mas as motivações vão além do mero ganho econômico. Documentos vazados por Edward Snowden, ex-analista da NSA, mostram que o obscuro órgão de espionagem americano tem um projeto de US$ 80 milhões para desenvolver seu próprio computador quântico. O objetivo é quebrar em tempo recorde códigos usados para tornar sigilosa a informação que circula pela internet. Para o bem ou para o mal, a revolução parece estar próxima.

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Fotos: D-Wave Systems