O ministro Joaquim Barbosa retornou de suas férias e, em menos de uma semana, conseguiu gerar um clima de guerra e de incertezas na mais alta corte de Justiça do Brasil. “Ele tem se comportado como um reizinho, e não como o presidente de um órgão colegiado”, diz um ministro que pede anonimato. O fato é que, com quatro canetadas, o presidente do STF derrubou despachos assinados pelo ministro Ricardo Lewandowski, número 2 na hierarquia do Supremo e seu desafeto. Num deles, Joaquim desautorizou sentença do colega para que uma advogada deficiente visual entregasse petições em papel, em vez de empregar arquivos eletrônicos que ela tinha dificuldade de enxergar. Alegou que Lewandowski cometera “populismo jurídico”. Joaquim também reverteu decisão de seu substituto que autorizava as prefeituras de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, e Caçador, em Santa Catarina, a reajustar o IPTU.

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SEM REVERÊNCIAS
Joaquim Barbosa releva a tradição de respeitar decisões de outros ministros
e nega permissão de trabalho para José Dirceu, preso na Papuda

Entre as alterações realizadas no trabalho de Lewandowski, contudo, a de maior impacto político envolveu o ex-ministro José Dirceu, condenado da Ação Penal 470. Em sentença assinada em 24 de janeiro, Lewandowski determinou a análise imediata, por parte da Vara de Execuções Penais, do pedido feito por Dirceu para trabalhar no escritório do advogado José Gerardo Grossi, um dos mais respeitados de Brasília. Joaquim revogou a decisão e, por causa disso, o mais célebre réu do mensalão pode completar 90 dias em regime fechado, embora tenha direito ao semiaberto pelo menos até que os seus embargos venham a ser julgados pelo plenário do STF. Para David Rechulski, especialista em direito penal e crimes contra a administração pública, o semiaberto não é apenas um benefício favorável a todo réu. “A condenação não pode ser só um castigo. O trabalho também é uma finalidade da pena.”

  A operação que fechou a porta da penitenciária da Papuda só foi possível porque, enquanto viajava pela Europa, Joaquim Barbosa contou com a lealdade de Bruno Ribeiro, o juiz titular da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal. Escalado para o posto depois que o primeiro ocupante tomou atitudes que não agradaram ao presidente do STF, Bruno Ribeiro valeu-se de um atalho burocrático para fazer aquilo que, viu-se mais tarde, Joaquim gostaria que tivesse feito. Embora uma investigação interna, assinada pelas autoridades policiais do presídio, tivesse concluído que Dirceu era inocente da acusação que motivara a suspensão de seu direito ao regime semiaberto – a denúncia de que havia conversado pelo celular com o secretário de Comércio e Mineração do governo da Bahia, James Correa –, Ribeiro alegou que o prazo para os trabalhos de apuração ainda não havia se expirado, o que lhe permitia questionar a liminar de Lewandowski. Foi uma decisão que recebeu críticas do ponto de vista  disciplinar, pois envolve a hierarquia do Judiciário: um juiz de primeira instância não tem o direito de contestar um ministro do Supremo. “Se não apareceram provas de que Dirceu falou ao telefone, não se pode usar uma hipótese para negar um direito”, diz o criminalista Fábio Tofic. “A presunção é da inocência.” Em sua sentença, o presidente do STF ainda alegou que  a decisão de Lewandowski não tinha apoio do Ministério Público. Errado: desde a sexta-feira 7, a procuradora da República Márcia Milhomens Corrêa se manifestara favoravelmente ao cumprimento da jornada de trabalho.

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ATROPELADO
Decisões do ministro Ricardo Lewandowski foram classificadas
de "populismo jurídico" pelo presidente do STF

É certo que a decisão de Joaquim tem amparo legal. O Artigo 317 do regimento interno do STF que trata da revisão de decisões de um ministro só proíbe reversão em casos terminativos, o que não acontece com Dirceu. Ainda assim, especialistas em direito se confessam surpresos em função de um elemento subjetivo nas atitudes de Joaquim. Eles lembram que as revisões são autorizadas, mas não podem ser a regra de funcionamento de um tribunal, em que cada ministro deve mostrar uma postura de “reverência” pela decisão  do ministro que o antecedeu. Para Edson Gouveia, que dá aulas sobre o regimento interno do STF,  “a regra deve ser a reverência, não a revisão”. Os estudantes de Direito aprendem, já no primeiro ano de faculdade, que a principal diferença entre as decisões de primeira instância e as dos tribunais superiores é que estes funcionam por decisões colegiadas, que estimulam a formação de um pensamento coletivo e a construção de uma jurisprudência.

Com direito a permanecer na presidência do STF até novembro, as atitudes de Joaquim Barbosa diante das decisões de Lewandowski alimentaram ainda mais suspeitas de que  pretende renunciar ao Supremo para disputar um cargo eletivo em outubro de 2014. O próprio Joaquim faz mistério sobre a decisão, mas seu comportamento recente não chega a ser um atestado de boa conduta. Está cada vez mais fácil atribuir ao presidente do STF um comportamento imperial no comando da suprema corte – seja impedindo o aumento de impostos, seja mantendo na prisão, de qualquer maneira, o mais importante réu do mensalão. 

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