Adormecida durante 16 anos, a Ação Penal 536, que envolve o chamado mensalão mineiro, esquema de arrecadação irregular de recursos para a campanha eleitoral do PSDB para o governo de Minas em 1998, revelado por ISTOÉ em 2007, acaba de chegar à sua fase final. Na semana passada, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao STF uma denúncia de 84 páginas contra o deputado e ex-governador tucano de Minas Gerais Eduardo Azeredo. Ele é o principal personagem do processo e em 1998 tentava a reeleição para o comando do Estado. Em sua denúncia, o procurador reafirma todas as revelações feitas por ISTOÉ, acusa Azeredo de peculato e lavagem de dinheiro e pede uma pena de 22 anos de prisão – superior, por exemplo, à de Delúbio Soares, José Dirceu, José Genoíno e  João Paulo Cunha, para ficar nos integrantes do chamado núcleo político da AP 470, o processo do mensalão do PT. Na quinta-feira 12, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso no STF, declarou que vai julgar a Ação Penal 536 com “o máximo de isenção e empenho”.

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ESQUEMA
Segundo a denúncia, Azeredo utilizou o cofre de empresas estatais
para repassar R$ 3,3 milhões à agência de Marcos Valério

A pena tão alta contra Azeredo se justifica por uma razão que não se encontra nos autos. É que a AP 536 caminhou tão devagar que agora se transformou numa corrida contra o tempo. O ex-ministro Walfrido dos Mares Guia, por exemplo, um dos réus no processo, já se favoreceu com a prescrição e nem sequer será julgado. Como a decisão judicial será tomada 16 anos depois dos fatos ocorridos, qualquer condenação inferior a 20 anos permitirá que Azeredo deixe a Suprema Corte sem receber nenhuma punição prática, pois a denúncia estará prescrita. O fato de o julgamento ocorrer ainda no primeiro semestre, porém, pode trazer uma repercussão política em ano de disputa eleitoral. Os petistas avaliam que, no mínimo, uma condenação de Azeredo poderá reduzir os danos provenientes das condenações dos líderes do PT na AP 470. No PSDB, o raciocínio é diferente. Segundo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ainda que seja provada a existência de crimes no mensalão mineiro, ele não se refere a uma operação que contamine o partido, mas a um suposto esquema isolado na campanha de Azeredo.

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RIGOR
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, disse que vai julgar
a Ação Penal 536 com "o máximo de isenção e empenho"

Independentemente do uso político, a denúncia do procurador-geral da República contém provas abundantes. Comprovantes bancários demonstram que Azeredo teria utilizado o cofre de empresas estatais para repassar pelo menos R$ 3,3 milhões à agência SMP&B, de Marcos Valério, o mesmo operador do mensalão do PT. De lá, os recursos teriam sido pulverizados para arcar com as despesas de campanha. A proximidade entre Azeredo e Marcos Valério, segundo o procurador, se expressa em números: foram registradas 57 ligações telefônicas entre os dois durante a corrida eleitoral. Numa analogia ao caso petista, o procurador afirma que Azeredo agiu como José Dirceu e foi o “maestro” do esquema. Diz ainda que Azeredo também agiu como Genoíno, sendo o avalista dos repasses financeiros.

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AS ACUSAÇÕES
O procurador Janot enviou ao STF a denúncia contra Azeredo.
Ele acusa o ex-governador de peculato e lavagem de dinheiro

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Convencido de que o inquérito trouxe provas que falam por si, Janot faz em sua denúncia uma crítica expressa à “Teoria do Domínio do Fato”, empregada por seu antecessor, Roberto Gurgel, no julgamento da AP 470. “O que há nos autos são provas suficientes para a condenação do réu, porque foi, efetivamente, autor de condutas criminosas. Não se trata de presunções, mas de compreensão dos fatos segundo a realidade das coisas e a prova dos autos.” Uma diferença importante é que não há, na Ação Penal 536, uma dúvida que percorre a AP 470 até hoje, sobre a natureza dos recursos utilizados na campanha eleitoral. Se o dinheiro entregue ao esquema petista tinha como origem um Fundo de Incentivo que pertencia à multinacional Visanet, o que gerou o debate sobre sua natureza pública ou privada, não há dúvida de que os recursos entregues ao PSDB eram públicos, pois saíram do cofre de estatais como Copasa, empresa estatal de saneamento, Cemig, de energia elétrica, e Comig, de mineração.

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A primeira denúncia sobre o mensalão mineiro foi feita em 2004, quando quatro procuradores de Minas Gerais procuraram Claudio Fonteles, que era o procurador-geral da República, para relatar fatos que envolviam o desvio de recursos das empresas estatais para a campanha. Fonteles deu alguns retoques no trabalho e enviou a denúncia para o Supremo, pois envolvia um parlamentar, Azeredo, que só poderia ser investigado com autorização do STF. O caso ficou parado até que, depois da denúncia contra o PT, a investigação sobre o PSDB mineiro foi retomada. Mas o STF só julgará dois réus, aqueles com direito a foro privilegiado. A denúncia contra outros 13 envolvidos caminha, em passos ainda mais lentos, numa Vara de Primeira Instância de Belo Horizonte. Nesse caso ainda nem sequer foram intimadas todas as testemunhas de defesa.

Fotos: Alan Marques/Folhapress; Gustavo Moreno/CB/D.A Press


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