Passados 15 anos da morte de Tancredo Neves, a família do ex-presidente tem se reunido para discutir um assunto delicado: a abertura de investigações para esclarecer de uma vez por todas a verdadeira causa de seu calvário e morte, entre a véspera de sua posse, marcada para 15 de março de 1985, e o trágico 21 de abril do mesmo ano. As antigas desconfianças no clã dos Neves foram reavivadas há 20 dias, com a intrigante revelação do general Newton Cruz, no programa Roda Viva da TV Cultura, de que foi procurado em outubro de 1984, quando era comandante militar do Planalto, pelo então candidato do PDS à eleição indireta para a Presidência, deputado Paulo Maluf. Segundo a versão de Cruz, Maluf propôs um golpe militar contra Tancredo, assegurando que seu adversário estava gravemente doente. “Nós achamos muito estranho esse diagnóstico precoce feito por Maluf, mas não dispomos de instrumentos para patrocinar uma investigação. A responsabilidade de apurar a verdade extrapola a família de Tancredo, pertence ao País. Uma coisa não podemos negar: gostaríamos de ver esse assunto definitivamente esclarecido”, disse a ISTOÉ o deputado Aécio Neves (MG), neto de Tancredo e líder do PSDB na Câmara. O clima na família ainda é de perplexidade. Ninguém consegue entender com clareza o que de fato levou à morte de Tancredo. Além de evidentes erros médicos cometidos durante os 38 dias de agonia do presidente eleito, persistem as mais variadas versões: desde ações bem terrenas – atentados por envenenamento ou inoculação de bactérias – até as do mundo sobrenatural – trabalhos espirituais, bruxarias e mandingas.

A família Neves está intrigada com casos como o do garçom João Rosa, escolhido para ser o mordomo do presidente eleito. Ele também teve uma morte estranha, um dia depois do falecimento de Tancredo. Rosa tinha 52 anos e morreu oficialmente em consequência de diverticulite, primeiro diagnóstico para a doença do presidente. O garçom, que era funcionário do Palácio do Planalto, chegou a trabalhar alguns dias na Granja do Riacho Fundo, residência provisória do novo presidente e onde Tancredo fazia as refeições enquanto definia o Ministério da Nova República. Na quinta-feira 13, essa história ganhou novos ingredientes. Localizada por ISTOÉ, a viúva do mordomo, Neusa Rosa, funcionária pública aposentada, revelou sua desconfiança de que o marido pode ter sido envenenado. No Domingo de Páscoa de 1985, enquanto no Instituto do Coração, em São Paulo, Tancredo lutava contra duas poderosas bactérias, em Brasília João Rosa era internado às pressas com violenta hemorragia intestinal. Ficou 16 dias no hospital e, como Tancredo, passou por sete cirurgias. Uma semana depois da morte do marido, dona Neusa foi a Uberlândia, sua cidade natal, e resolveu visitar o médium espírita Chico Xavier. Dele a viúva ouviu uma revelação que aumentou sua desconfiança: “Que pena. O seu João foi embora tão cedo. Envenenaram ele, como fizeram com o doutor Tancredo.” Os médicos que atenderam Tancredo descartam taxativamente a hipótese de envenenamento. Essa suspeita cresceu quando se descobriu que havia conspiração entre os militares.

 

A resistência desses militares golpistas em entregar o poder a Tancredo ficou evidenciada antes mesmo do início da campanha. No dia 10 de agosto de 1984, véspera da Convenção do PDS que escolheria Paulo Maluf como candidato ao Planalto, militares foram presos em Brasília quando colavam cartazes pretensamente provocativos. Os símbolos do então ilegal Partido Comunista Brasileiro emolduravam a frase “Chegaremos lá”. Os militares, na verdade, estavam a serviço do general Íris Lustosa, chefe do Centro de Informações do Exército. As informações sobre uma conspiração militar não paravam de chegar ao comando da candidatura Tancredo. Na mesma ocasião em que Maluf estaria planejando o golpe, os líderes da Aliança Democrática se reuniram em Campo Grande para definir um plano de resistência e fuga. Em caso de uma ofensiva militar, Tancredo seria levado ao Paraná, de onde resistiria com o apoio dos três governadores do Sul – José Richa (PR), Espiridião Amin (SC) e Jair Soares (RS) – e de suas polícias militares. “Queríamos garantir a legalidade e estávamos dispostos a resistir”, lembra Richa. Se a estratégia fracassasse, a Aliança Democrática tinha um plano B. “Meu avô seria levado ao Paraguai, de onde viajaria pelo mundo para denunciar o golpe”, conta Aécio Neves. “Havia um golpismo com a participação de militares que já não eram representativos”, lembra o almirante Maximiliano da Fonseca, ministro da Marinha no governo Figueiredo. “Cheguei a preparar um plano antigolpe que previa uma reação da Marinha à quebra das regras do jogo político”, conta o almirante reformado. “Eu era informado diariamente sobre articulações golpistas entre os militares”, confirma o ex-presidente José Sarney, hoje senador.

As negociações com os militares convenceram Tancredo de que não havia mais riscos de um golpe. A falta de apoio dos quartéis levou alguns generais da linha-dura a marcharem em outra direção nada convencional. O general Íris Lustosa foi um deles. A partir do final de novembro, Lustosa passou a ter encontros frequentes no Rio de Janeiro e Brasília com o “bruxo” Lourival de Freitas, um personagem estranho que dava consultas a artistas como Tom Jobim, Lucélia Santos e Chico Buarque de Hollanda e tinha misteriosas reuniões com os generais Coelho Netto e Lustosa. Segundo pessoas que conviveram com o “bruxo”, ele teria participado de um trabalho espiritual para evitar que Tancredo chegasse ao Palácio do Planalto.

“O trabalho está feito”, comemorou o “bruxo” num telefonema que teve testemunhas. A explicação sobrenatural para a tragédia de Tancredo não parece convincente, mas há quem acredite nela. Na tarde de 14 de dezembro de 1984, o próprio Tancredo recebeu a vidente Janete Rico Antunes Ribeiro. “Existem correntes espirituais interessadas na sua morte”, anunciou Janete, que, em seguida, descreveu o que aconteceria com Tancredo nos próximos meses. “Foi impressionante. Pode ter sido uma grande coincidência, mas ela previu tudo o que depois aconteceu com o dr. Tancredo”, recorda Antônia Gonçalves Araújo, a poderosa secretária particular do presidente eleito.