O trem parte da estação. De lenço em punho, passageiros acenam e despedem-se dos amigos e amantes. A sequência pode fazer parte de um livro de Tolstói ou da novela Terra nostra. Mas é bem mais atual do que se imagina. Em alguns locais do Brasil, a tradição resiste. Velhas locomotivas a vapor puxam seu comboio de ferro em breves passeios ou ligando cidades. Acomodados em vagões que remontam o final do século XIX, curiosos de qualquer idade podem viajar no tempo e desvendar a história do transporte ferroviário no País.

A estação de Anhumas, na cidade paulista de Campinas, é o ponto de partida para uma viagem educacional promovido pela Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF). Sobre o leito da antiga Companhia Mogyana de Estrada de Ferro, no trecho de 30 quilômetros que une Campinas a Jaguariúna, correm locomotivas como a 505, a mesma que aparece na abertura da novela da Globo. Os passeios são feitos aos sábados, domingos e feriados, pela manhã e à tarde. São três horas de viagem, durante as quais cerca de 400 passageiros são contagiados pela paixão ferroviária que exala dos poros de Henrique Anunziata e Vanderlei Alves da Silva, responsáveis pelo projeto pedagógico e pela difusão cultural da entidade. “Atualmente, temos 16 locomotivas em conservação, fora os carros de primeira e segunda classes e os carros-restaurante”, conta Anunziata. “A locomotiva mais antiga é de 1895 e a mais nova, de 1932”, completa.

A ABPF, com 23 anos de trabalho, foi fundada pelo francês Patrick Dollinger, engenheiro agrícola que chegou a São Paulo em 1966 e assistiu entristecido ao desmonte do transporte ferroviário no Estado. Resolveu salvar alguns veículos e adquiriu uma locomotiva e dois vagões, cedidos pela Rede Ferroviária Federal (RFFSA), dando início à frota atual. Os carros antigos chegam quase destruídos e a equipe da entidade recompõe as peças originais.

A mais antiga maria-fumaça em atividade no País liga São João del Rey a Tiradentes, em Minas Gerais. Uma máquina Efron-Baldwin fabricada nos Estados Unidos percorreu pela primeira vez os 12 quilômetros do trajeto em 28 de agosto de 1881, transportando o ilustre convidado dom Pedro II. Mais de um século depois, o percurso continua sendo feito às sextas-feiras, sábados, domingos e feriados pela mesma locomotiva, apesar de a RFFSA haver sugerido a suspensão do serviço, custoso demais aos cofres da União. O complexo ferroviário formado pela locomotiva e por seus dez vagões foi tombado em 1987 pelo Patrimônio Histórico Nacional, preocupado em preservar a beleza imperial de seus guichês e portões, verdadeiras relíquias talhadas em bronze no estilo arquitetônico da belle époque. Enquanto o passeio de Campinas serviu de cenário para novelas como Terra nostra, Chiquinha Gonzaga e Éramos seis, a maria-fumaça de São João del Rey foi uma das principais atrizes de Sinhá Moça e Memorial de Maria Moura.
Em São Paulo, há um passeio bem mais rápido e acessível. Trata-se dos 1.200 metros de trilho vencidos em pouco mais de dez minutos pela composição ferroviária que faz parte do acervo do Memorial do Imigrante. Duas locomotivas Baldwin revezam-se à frente de um carro de bagagem e um carro de segunda classe com capacidade para 60 passageiros, e percorrem a cada meia hora o trecho entre a Estação da Mooca e a Estação Brás da antiga linha Santos–Jundiaí todos os domingos e feriados. Durante a semana, podem ser agendados passeios com escolas. “Em breve, o trajeto será estendido até a Estação da Luz”, promete Elias de Araújo, diretor administrativo do Memorial.

Mas há outras locomotivas espalhadas pelo País. Uma delas parte de Rio Negrinho e percorre a Serra Geral, em Santa Catarina. Outra sai de Cruzeiro e sobe a Serra da Mantiqueira, em São Paulo. No Paraná, é possível percorrer um bom trecho do Estado a partir de Curitiba. No Rio Grande do Sul, as marias-fumaças abandonam a cidade de Rio Grande para viajar pela região de Lagoa dos Patos. Em maio, será inaugurado o passeio do Trem das Águas, trajeto entre São Lourenço e Soledade de Minas, que apresentará parte do maquinário trazido por Visconde de Mauá e atravessará palcos importantes da Revolução Constitucionalista de 1932.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias