Na última semana, o ex-prefeito paulistano Paulo Maluf, usando o horário do seu PPB nas rádios e tevês, esboçou as primeiras braçadas para tentar sair do mar de denúncias de corrupção em que naufraga com o afilhado e sucessor, Celso Pitta. Nas propagandas políticas, alguns pouco convincentes eleitores procuram relembrar a imagem do Maluf tocador de obras. O esforço parece ter sido em vão. Uma antiga denúncia com novas cores pode afundar de vez o malufismo. Na quarta-feira 12, um senhor que se identifica como ex-funcionário da empreiteira CBPO ocupou espaço no Jornal Nacional, da Rede Globo, e falou com todas as letras que Maluf teria embolsado US$ 100 milhões nas superfaturadas obras viárias feitas em São Paulo entre 1993 e 1996. Disse também que Reynaldo de Barros, ex-secretário de Obras e Vias Públicas e braço direito de Maluf, teria faturado outros US$ 30 milhões.

O depoimento detalhou como era feito o superfaturamento e animou o Ministério Público a intensificar as investigações. O promotor Saad Mazloum, que há seis meses trabalha nesse caso, prometeu a realização de novas perícias nas construções da avenida Águas Espraiadas e dos túneis sob o parque Ibirapuera e o rio Pinheiros. “Vamos recorrer à Universidade de São Paulo, que dispõe de maiores recursos para fazer a análise”, afirmou Mazloum. Trata-se, na verdade, de uma investigação que está parada há muito tempo. Em setembro de 1996, ISTOÉ publicou que as grandes obras viárias de Maluf foram superfaturadas. Na época, a revista já divulgava que os túneis do complexo viário Ayrton Senna foram contratados pelo equivalente a R$ 210,5 milhões, mas custaram R$ 1,024 bilhão aos cofres municipais. A mesma aberração era constatada na avenida Águas Espraiadas, um retão de apenas 4,5 quilômetros em terreno plano contratado por R$ 115,22 milhões, mas que custou R$ 728,6 milhões. Com metade desse valor, a Prefeitura do Rio de Janeiro construiu a Linha Amarela, uma via expressa de 23,5 quilômetros, inaugurada em novembro de 1997.

Há três anos e meio, o deputado Alberto Goldman (PSDB-SP), engenheiro e ex-ministro dos Transportes, foi ao Ministério Público e demonstrou a aberração malufista. “Fizemos um comparativo com outras obras parecidas e não encontramos nada igual”, diz Goldman. “O que Maluf gastou para fazer uma avenida de 4,5 quilômetros quase daria para duplicar a rodovia Régis Bittencourt.” Goldman reclama que durante tanto tempo o processo tenha ficado parado. Ele diz que por várias vezes encaminhou ofícios ao Ministério Público cobrando a investigação, mas acredita que agora o caso irá adiante. “Os contratos são complexos, mas temos instituições que podem perfeitamente fazer uma perícia e o que foi dito pela nova testemunha pode indicar o caminho das pedras”, afirma o deputado tucano.

De fato, o personagem que deu nova disposição aos promotores ilustra os detalhes do superfaturamento. Ele contou que as empreiteiras eram seguidamente chamadas a reajustar os preços das obras usando de um artifício bastante conhecido dos colarinhos-brancos de plantão: emissão de notas fiscais frias. Nos contratos, um certo “fator K” permitia os reajustes, desde que aprovados pela Emurb, empresa pública na época comandada por Reynaldo de Barros, que jamais disse não às empreiteiras. Segundo ele, que diz ter trabalhado na medição de obras da CBPO por 16 anos, a empresa forjava o aluguel de equipamentos para empresas fantasmas e assim justificava os acréscimos que saíam da prefeitura em forma de propina. Do total, 15% do valor da obra iria para Paulo Maluf e 6% para Reynaldo de Barros. Uma dessas empresas fantasmas seria a Lavicem, com sede em Curitiba (PR). No endereço constante nas notas, porém, ninguém nunca ouviu falar na tal Lavicem. Trata-se de uma casa habitada pela mesma família há mais de dez anos.

Documentos – Além do depoimento, a testemunha anônima apresentou documentos. Uma planilha mostra que a CBPO vendia à prefeitura um aditivo de concreto por R$ 6,24 o litro. O mesmo aditivo custa, no mercado, R$ 1,51 o litro. “O valor pago em propina foi bem superior ao lucro da empreiteira”, disse. Reinaldão, como é chamado o braço direito de Maluf, nega que tenha havido qualquer superfaturamento nas obras e diz desconhecer qualquer irregularidade nos reajustes. Maluf está na Europa e não respondeu às acusações, limitando-se a dizer que o ex-secretário falaria por ele. “Respondo por mim. Jamais recebi qualquer dinheiro de forma ilícita”, afirmou Reinaldão.

A palavra, agora, está novamente com o Ministério Público, que tem o dever de destrinchar o emaranhado de números e índices que constam nos contratos de Maluf. As licitações foram feitas na administração de Jânio Quadros (1985 a 1988). A ex-prefeita Luiza Erundina renegociou os contratos e seus valores foram reduzidos em média 40%. Quando Maluf assumiu, as obras foram reiniciadas, mas com base nos contratos assinados por Jânio Quadros. O resultado foi a avenida mais cara do planeta. Em nota divulgada à imprensa, a CBPO negou as irregularidades e creditou a diferença dos preços contratados para os preços pagos à inflação.