Há duas semanas, a candidata do PT à Prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy, ameaçou eliminar o celular de um assessor durante uma entrevista em sua sala de estar nos Jardins. Discutia a dívida municipal, quando o telefone do funcionário tocou. “Desligue isso”, disse Marta. Dez minutos depois, trim, trim, trim. A sexóloga quase teve uma síncope. “Se tocar de novo, vou jogar pela janela”, ameaçou. O senador Antônio Carlos Magalhães também perdeu o controle. Na Segunda-feira 3, expulsou o assessor Gallerani do gabinete porque o aparelho do subordinado interrompera uma entrevista com os jornalistas. “Ora, seu Gallerani, é você que está atrapalhando? Era só o que faltava. Vá embora daqui”, disparou.

Quando o celular começou a virar febre, há três anos, e se fazia crediário para ter o aparelhinho pendurado na cintura, a comparação foi inevitável: o telefone móvel era a televisão em cores do novo século. Sinônimo de status, todo mundo queria ter um. Os preços cada vez mais acessíveis popularizaram o celular e o transformaram numa necessidade de primeira ordem do mundo tecnológico, como o forno de microondas, o controle remoto ou o espremedor de alho. Quando essas maravilhas da modernidade não existiam, não faziam falta. Hoje, não se concebe a existência sem elas. Operam atualmente no Brasil 16.070.841 aparelhinhos ruidosos e piscando sem parar. De cada 100 habitantes, dez têm celular. E não se sai mais de casa sem eles. Acompanham seus usuários ao restaurante, ao cinema, ao teatro, às reuniões de trabalho e até aos funerais. O resultado é que essa onipresente ferramenta de comunicação virou também a chatice número 1 do País e tem feito muita gente perder o controle. Não há coisa mais irritante, hoje em dia, que um celular tocando em momentos inconvenientes.

O secretário de Comunicação do prefeito Celso Pitta, Antenor Braido, foi outro que levou um pito do chefe. Numa entrevista a ISTOÉ em que tentava responder às denúncias da ex-mulher, o telefone de Braido soou por duas vezes. “Desligue o celular ou não participe da conversa”, bradou o prefeito. Apesar das broncas, Braido, 49 anos, não vive sem celular. Tem dois aparelhos que não desliga nem durante o sono e fica angustiado quando não consegue retornar a ligação. “É uma loucura. Mas na minha função o celular é indispensável”, diz Braido. A divulgadora Paula Mazulquim, 25 anos, tem uma relação tão passional com o aparelhinho que a acompanha até ao banheiro. Quando toma banho, deixa o celular ligado sobre a tampa do vaso sanitário. Ao primeiro sinal, sai esbaforida e molhada do boxe e volta com o telefone no ouvido para o chuveiro. “Ele é minha referência”, admite.

O que acontece com muita gente é que o celular passou de necessidade a compulsão. E já está tão incorporado ao cotidiano que suscita até teorias psicanalíticas. “O celular ampliou a importância que temos para os outros. Dá a dimensão de quanto somos amados e requisitados”, analisa o psicanalista carioca Alberto Goldim. O aparelho também reflete, segundo Goldim, a incapacidade cada vez maior dos seres humanos de estarem sozinhos. “É um meio de fugir de si mesmo.” E quem se importa? Segundo estimativa da Agência Nacional de Telecomunicações, Anatel, até 2005 deverão estar operando no País 46 milhões de celulares, O número será equiparável à telefonia fixa, que responde atualmente por 28 milhões de aparelhos. O remédio é adaptar-se a eles. O sofisticadíssimo restaurante italiano Fasano, nos Jardins, instalou uma antena telefônica para acabar com o problema das linhas congestionadas no quarteirão. Dez entre dez clientes jantam com celular. “É comum eles interromperem o pedido para atender uma chamada. Quando o assunto é confidencial, vão falar na calçada”, conta o gerente Almir Paiva.

Interrupções ou imprevistos no roteiro de espetáculos provocadas por um celular inconveniente são cada vez mais comuns. Durante a apresentação do bailarino Mikhail Baryshnikov no Teatro Municipal do Rio, no ano passado, um telefone não parava de tocar na platéia. Baryshnikov fingiu atender o celular, incorporando à coreografia o gesto da mão junto ao ouvido. Durante a apresentação da peça Othelo, de Shakespeare, num teatro da Broadway, em outubro de 1999, o ator Laurence Fishburne, no papel principal, teve uma explosão durante o diálogo com o pérfido Iago. “Será que dá para atender este telefone lá fora?”, gritou, ao quarto toque de um celular. Um homem engravatado saiu da sexta fileira, de celular no ouvido, e recebeu uma tremenda vaia.

Foto: José Cordeiro/AE

Stress Dráuzio recusa-se a ser interrompido a qualquer hora

Público irado – Nos EUA, é proibido cometer a má-criação de atender chamadas dentro de teatros. Mas muita gente não cumpre a lei. Há dois meses, um homem foi espancado num cinema em Boston depois que seu celular tocou nove vezes durante o filme American beauty. Ele nem sequer pôde chamar a polícia para denunciar a agressão. O público, irado, esmigalhou o aparelho. A indelicadeza dos celulares e de seus donos é tanta que em muitos restaurantes americanos seu uso foi vetado. Na famosa loja Harrod’s, em Londres, de propriedade do pai de Dodi Al-Fayed, o namorado da princesa Diana, o celular também é persona non grata. A alegação é de que ele aumenta a poluição sonora e favorece a formação de filas porque interrompe o atendimento. Os problemas gerados pelos estridentes aparelhinhos chegaram a tal ponto que já tem gente aproveitando para faturar. A professora de etiqueta Juidth Ré cobra US$ 350 para ensinar executivos a não perderem bons negócios por causa dos maus modos. Em seu livro The Social Savvy Guidebook, Judith inclui também o item como lidar com o celular. “Quando o celular toca durante um almoço de negócios, não se deve atender. Embora a chamada também possa ser referente a trabalho, telefone é como chapéu. Não se usa à mesa”, orienta.

Os excessos dos usuários têm ajudado a engrossar a legião dos que odeiam celular, passam mal ou tem crises histéricas ao primeiro toque do aparelho. O cancerologista Dráusio Varella se recusa a comprar um celular. “Não aguento viver com um aparelho do lado interrompendo tudo o que faço. Não me faz falta. É um stress.” O curioso é que muita gente reclama, mas não larga o aparelho. “Eu enlouqueço com celular. Chego a ter enjôo quando toca. É prático, mas me irrita demais”, diz a promoter Maria Inês Neves da Costa. O superintendente do clube Alto de Pinheiros, Pedro Barbosa da Silveira, ganhou fama de chato. No velório de um parente, pediu que todos desligassem os aparelhos. Foi um burburinho só. “Não queria que atrapalhasse o momento. Mas sei que me picharam”, lembra. A cantora Nana Caymmi tem celular, mas, para evitar a chateação, não dá o número a ninguém. Só faz chamadas. “A comunicação cansa”, desdenha.