zeca caldeira

Está no dicionário. Além de padrinho do filho (ou pai do afilhado), compadre significa amigo, companheiro. Qualquer que seja a definição, ela serve para designar a relação do advogado Roberto Teixeira com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Companheiros – diga-se – eles são, com direito a carteirinha e tudo: Teixeira é filiado ao PT desde os primórdios do partido fundado por Lula. A relação de amizade é ainda maior. Os dois se conheceram no começo dos anos 1980 em São Bernardo do Campo. A partir dali, o advogado e o sindicalista viraram quase-irmãos. Teixeira convidou Lula para ser padrinho de sua filha, Valeska. Tornou-se padrinho de Luís Cláudio, o filho mais novo de Lula e da primeira-dama, Marisa Letícia. Quando Lula decidiu incorporar o apelido ao nome, foi Teixeira que cuidou de todos os trâmites legais para a mudança. Depois estendeu o trabalho para a família do futuro presidente. Com a ascensão do amigo ao Planalto, o advogado paulista, de 63 anos, sagrou-se primeiro-compadre da República. Posto que acaba de lhe render outro título, o de alvo número 1 dos adversários do Planalto. É para ele que está mirada agora a artilharia da oposição, que terminou a semana com a certeza de que conseguirá finalmente abrir uma CPI no Congresso para investigar a megacrise aérea e tudo o mais que com ela possa guardar alguma relação.

E o que tem Roberto Teixeira a ver com o caos aéreo? Há mais de 15 anos, o advogado é uma espécie de pau para toda obra no setor de aviação civil. Começou defendendo a Transbrasil nos tribunais. A empresa foi à bancarrota e ele passou a defender os interesses de outras companhias. Sua capacidade de resolver problemas foi amplificada quando Lula virou presidente. Quase sempre, discretamente. Quase. Na quarta-feira 28 de março, veio o escorregão. Os empresários Nenê Constantino e Constantino de Oliveira Júnior, controladores da Gol, foram ao Planalto comunicar a Lula que tinham acabado de comprar a Varig. Teixeira foi junto. Foi fotografado e imediatamente entrou na mira da oposição. Teixeira foi o responsável pela arquitetura jurídica do negócio, festejado pelo governo federal e prontamente aprovado pela Anac. Isso, somado a uma declaração do patriarca da Gol, Nenê Constantino, atiçou as suspeitas da oposição. “Há seis meses, o presidente Lula me pediu que entrasse nas negociações para salvar a Varig”, declarou o empresário. Junte-se o pedido pessoal de Lula a Constantino à presença do compadre do presidente na reunião e, na visão da oposição, eis aí os elementos para tornar o caso no mínimo intrigante. Para Teixeira, não há motivo para tanta surpresa. “Fui ao encontro como o advogado que estruturou o negócio jurídico e que tinha condições de dar explicações, se fosse necessário”, argumenta. “E também porque é prazeroso estar entre amigos, como é o presidente. Não tenho por que me arrepender, pois minha presença foi profissional.” (leia sua entrevista no quadro abaixo).

andré henriques/dgabc

Roberto Teixeira chegou a emprestar para Lula uma casa em São Bernardo

A indagação, porém, tornou-se inevitável: teria Roberto Teixeira usado de sua influência dentro do governo e preparado terreno para a concretização do negócio? A oposição acha que sim. “Foi tudo muito rápido”, afirma o líder do DEM (ex-PFL) no Senado, José Agripino Maia (RN). A desconfiança vem acompanhada de outros elementos. Teixeira, desde o princípio, trabalhou na solução da espinhosa crise da Varig. Primeiro assessorou o grupo que comprou a VarigLog, subsidiária da Varig. Depois, participou da operação para arrematar o restante da companhia por US$ 24 milhões. Agora, passados menos de nove meses, auxiliou na venda da empresa para a Gol por US$ 320 milhões. O governo apoiou todas as etapas do negócio. Durante o processo, o Sindicato Nacional das Empresas Aéreas chegou a acusar a Anac de agir em favor do grupo – e lançou suspeitas diretas sobre a atuação de Teixeira. “A Anac se submeteu à pressão do Palácio do Planalto, e o mais estranho é que todas as pressões começaram depois que o Roberto Teixeira assumiu a defesa [do grupo]”, chegou a dizer o diretor de relações governamentais do sindicato, Anchieta Hélcias. “É preciso investigar isso”, defende o líder tucano Arthur Virgílio (AM). Na última quinta-feira à noite, a oposição já tinha assinaturas suficientes para instalar no Senado a CPI do Apagão Aéreo.

Zeca Caldeira

Agora, a oposição se arma para dar trabalho ao Planalto. E Roberto Teixeira é figura-chave. Os entusiastas da idéia acham que, por meio dele, podem atingir o presidente Lula. “Ele pode ser o Okamotto da vez”, provoca Agripino Maia, referindo-se ao presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, outro amigo do presidente enredado em denúncias de corrupção nas CPIs dos Bingos e dos Correios. Ao longo da semana, técnicos da oposição foram incumbidos de escarafunchar documentos que possam servir à investigação. Com atenção especial a Teixeira, claro. As histórias incluem desde a suspeita de que o compadre de Lula estaria fazendo lobby para fornecedores estrangeiros de equipamentos à Aeronáutica até os negócios relacionados ao setor aéreo. A aposta é de que uma investigação bem feita traga novamente à tona um personagem célebre dos escândalos passados: Delúbio Soares. O ex-tesoureiro petista seria, em última instância, o operador do caixa paralelo da Infraero. Em relação a Teixeira, diz-se ainda que ele receberá R$ 7 milhões de comissão pela venda da Varig. E que esse valor inclui mais uma meta além das já alcançadas em Brasília: aprovar o negócio no Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade. “Se alguém se sente devedor desse valor, eu dou o número da conta do escritório e mande depositar por favor”, responde Teixeira, com uma dose de ironia.

andré henriques/dgabc

INTRIGANTE Quando Nenê Constantino (à esq.) foi anunciar a Lula que comprara a Varig, levou com ele
Teixeira (ao centro)

Os movimentos do advogado junto ao poder estão sendo esquadrinhados. Quando a CPI for instalada, um dos convocados a prestar depoimento será o ex-ministro da Defesa José Viegas. Para que ele diga por que saiu do Ministério, em 2005. Hoje à frente da embaixada brasileira em Madri, Viegas teria admitido a amigos que deixou a Pasta porque não quis ceder à pressão do Planalto para que atendesse de pronto os interesses de Roberto Teixeira, em especial a transferência dos espaços inativos da Transbrasil nos aeroportos para a novata Ocean Air. “Tentamos recuperar os direitos da Transbrasil no âmbito administrativo do governo. O Ministério da Defesa negou o nosso pedido. Recorremos, como determina a lei, à Presidência da República, que também negou nossa solicitação. Se isso é ter vantagem, eu não entendo mais nada”, afirma Teixeira. “Só conseguimos os direitos na Justiça.”

Roberto Teixeira guarda participação em diversos episódios rumorosos do PT. Seu nome apareceu na CPI dos Bingos. Também foi envolvido em uma denúncia de um esquema de arrecadação junto a prefeituras administradas pelo partido. Acabou absolvido. Àquela época, Lula morava numa casa cedida, de graça, por Teixeira. Teixeira teve participação ainda na compra do apartamento de Lula em São Bernardo do Campo. “Trata-se de um mecenas da vida privada do presidente”, dispara o deputado Júlio Redecker (PSDB-RS), um dos entusiastas da CPI. Outro exemplo ocorreu durante o seqüestro de um sobrinho de Teixeira em 1993. À época, Lula chegou a angariar R$ 400 mil junto a “empresários amigos”, conforme ele próprio relatou à polícia, para pagar o resgate. O seqüestro foi resolvido pelo delegado Mauro Marcelo de Lima e Silva sem que fosse preciso pagar nada aos seqüestradores. Eleito presidente da República, nomeou Lima e Silva diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Há ainda o caso de uma ONG do PT que foi subcontratada, sem licitação, pela Prefeitura de São José dos Campos (SP), à época administrada pela petista Ângela Guadagnin. Lula era membro da ONG. E Teixeira foi quem elaborou o estatuto. Mais recentemente, quando se falou nas tentativas de aproximação do grupo Opportunity com o governo por meio de advogados ligados ao PT, lá estava ele. Teixeira foi um dos três advogados petistas contratados pelo grupo do banqueiro Daniel Dantas. O líder do PT na Câmara, Luiz Sérgio, assegura que a possibilidade de Roberto Teixeira vir a ser investigado não amedronta o governo nem o partido. “Não temos nada a esconder”, disse. Na prática, porém, o Planalto segurou enquanto pôde a CPI, inclusive como forma de blindar o compadre Teixeira. E agora, como será? Há turbulência no ar.

“IREI ALEGREMENTE À CPI”
 

Por Joaquim Castanheira

O advogado Roberto Teixeira falou a ISTOÉ na semana passada. A seguir trechos da entrevista.

ISTOÉ – A ligação com o presidente Lula tem a ver com sua eventual convocação para uma CPI da crise aérea?
Roberto Teixeira
– Isso periodicamente ocorre. Minha amizade com o presidente tem sido uma forma de criar constrangimento para o presidente ou para mim. Pode ser essa a razão para a convocação, sim. Essa convocação deveria ser chamada de provocação. A atuação foi sempre no estrito cumprimento do trabalho como advogado. Minha militância na área de direito aeronáutico se estende por 16 a 17 anos, antes mesmo da primeira candidatura de Lula à Presidência. Eu irei alegramente à CPI, pois só falarei sobre aquilo que faço há muitos anos, o exercício da advocacia.

ISTOÉ – Sua amizade com o presidente Lula incomoda muita gente?
Teixeira
– Com certeza. Não entendo o que ocorre. Um negócio como a venda da Varig para a Gol é fechado e elogiado por todas as partes, mesmo aquelas não envolvidas diretamente. Mas apontam para mim como se fosse algo escuso. Meu escritório atuou exclusivamente no âmbito legal e jurídico.

ISTOÉ – Como foi o desenvolvimento desse negócio?
Teixeira
– Nosso escritório representa há um bom tempo a VarigLog junto ao juiz da recuperação judicial da Varig. Em dado momento, nosso cliente entra em nosso escritório e diz, sob sigilo: “Nós temos negociações com a Gol, objetivando a venda do controle acionário da Varig. Em que condições poderíamos fazer isso?” Só então nós, os quatro sócios do escritório Teixeira Martins Advogados, soubemos dessa negociação. Fizemos um parecer mostrando de que forma poderia ser estruturada do ponto de vista jurídico essa transação. Não intermediamos o negócio. Agimos única e exclusivamente como advogados e estruturadores jurídicos do negócio.

ISTOÉ – O sr. teve contatos com alguém do governo para apresentar ou advogar o negócio?
Teixeira
– Os advogados estão sujeitos ao sigilo profissional. Se nosso escritório tivesse vazado qualquer tipo de informação, seríamos responsáveis. Se houvesse vazamento, feriríamos de morte a ética profissional e criaríamos uma situação de caos para nossos clientes. Jamais houve contato com qualquer membro do governo. E desafio alguém a dizer que tenha recebido de algum membro de meu escritório qualquer indicação de que pudesse estar havendo um negócio nesse sentido.

ISTOÉ – Se o sr. agiu apenas como advogado, qual a razão de sua presença na reunião em que o Nenê Constantino e o Constantino Jr. (controladores da Gol) anunciaram o negócio para o presidente Lula?
Teixeira
– Eu fui como advogado que estruturou o negócio jurídico e que tinha condições de dar explicações, se fosse necessário. E também porque é prazeroso estar entre amigos, como é o presidente. Não tenho por que me arrepender, pois minha presença foi profissional.

ISTOÉ – Por que o negócio foi aprovado com tanta rapidez pela Anac?
Teixeira
– Não foi rápido. Foi demorado. Quando a VarigLog assumiu a Varig, foi constituída uma nova empresa e eram necessárias todas as certificações técnicas e autorizações da Anac. Agora, era só uma transferência de controle acionário. Era apenas verificar quem está substituindo os controladores acionários. E quem estava substituindo era uma empresa, a Gol, amplamente conhecida e com atuação no mercado. Isso poderia ser feito em 24 horas. Quando a VarigLog comprou a Varig, todos criticaram que o processo foi demorado. Agora, criticam que foi rápido demais. Fica difícil entender o que querem que se faça.

ISTOÉ – Dizem que esse serviço foi remunerado por R$ 7 milhões.
Teixeira
– Eu fui perguntado por outro repórter sobre um valor de R$ 35 milhões. Eu, aliás, me contento com os R$ 7 milhões. Só quero que me façam um favor. Localizem quem se diz devedor desse dinheiro e peçam para pagar. O escritório Teixeira Martins Advogados tem um contrato de prestação de serviço com a VarigLog há algum tempo. A cobrança é por hora trabalhada e não foi cobrado um real a mais do que aquilo estabelecido pelo contrato que temos com a VarigLog. Mas se alguém se sente devedor desse valor, por favor, não há problema nenhum, eu dou o número da conta do escritório e mande depositar.

ISTOÉ – O sr. vai trabalhar para a Gol?
Teixeira
– O que há de comum entre as duas empresas é o fato de terem os mesmos acionistas. A Varig continuará como uma empresa independente, com estrutura própria. Sou advogado da Varig.

ISTOÉ – O sr. atendeu outras empresas de defesa, como as francesas Thales e Thompson?
Teixeira
– Absolutamente. Jamais. Mas se quiserem nos procurar como advogados, o escritório está aberto. Nós gostaríamos de tê-los como clientes. Aliás, por favor, sugira para eles.