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CARISMA
Michelle Bachelet recebeu 62% dos votos
para voltar ao Palácio de La Moneda

Desde que adotou com rigor a cartilha neoliberal durante o regime militar de Augusto Pinochet, o Chile se tornou o queridinho dos mercados na América Latina. O país afrouxou as regras para o investimento estrangeiro, retirou barreiras comerciais e reduziu impostos. Resultado: o Produto Interno Bruto (PIB) teve crescimento acima da média da região e a pobreza caiu de 39% para 15% da população. Em 2010, o Chile foi aceito na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que reúne as nações mais ricas do mundo. Hoje em dia, os chilenos têm a segunda economia mais aberta do continente, atrás apenas do Canadá, de acordo com ranking do Instituto Cato, de Washington. Tudo isso ao custo de privatizar o sistema previdenciário, a educação e a saúde. Agora, Michelle Bachelet, presidenta eleita no domingo 15 com 62% dos votos, promete voltar ao Palácio de La Moneda com uma ambiciosa agenda de reformas. Se elas forem realmente realizadas, as décadas de neoliberalismo ficarão para trás e o país dará uma surpreendente guinada à esquerda.

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IMPOPULAR
Sebastián Piñera, atual presidente, deixa o governo mal avaliado
 

O programa de governo da socialista, que já administrou o Chile entre 2006 e 2010, está baseado em três pilares: educação gratuita, reforma tributária e nova Constituição (leia quadro). “Essa abordagem mais de esquerda ou social-democrata é resultado de uma pressão social”, disse à ISTOÉ Claudio Fuentes, diretor do Instituto de Pesquisas em Ciências Sociais da Universidade Diego Portales, de Santiago. A maré política mudou quando, em 2011, protestos estudantis tomaram as ruas para escancarar o alto custo de escolas e universidades e exigir o fim do lucro na educação. Famílias inteiras se endividaram para oferecer ensino a seus filhos, num sistema em que nem as universidades públicas são gratuitas. O movimento desgastou a popularidade do atual presidente, Sebastián Piñera, e mostrou que, embora o PIB continuasse crescendo de forma acelerada (em média, 5,5% no governo de Piñera), o desemprego seguisse baixo (5,8% em outubro, último dado disponível), a inflação se mantivesse controlada e as contas públicas estivessem em ordem, a população não ia tão bem quanto o país.

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 De acordo com Fuentes, é possível esperar mudanças na política econômica e na redefinição de Estado a partir de 11 de março, quando a presidenta reassume o cargo. “A reforma da educação, por exemplo, supõe a substituição do setor como um assunto de mercado por uma concepção dele como direito social”, afirmou o cientista político. O plano da coalizão Nova Maioria, de centro-esquerda, é tornar o ensino superior gratuito nos próximos seis anos. Para atender às demandas sociais, Bachelet pretende não só investir dinheiro do Estado, mas cobrar a parte da iniciativa privada na melhoria da qualidade de vida dos chilenos. Assim, os impostos devem subir de 20% para 25%, o que pode gerar mais US$ 8,2 bilhões aos cofres públicos. Para Marco Kremerman, economista e pesquisador da Fundação Sol, de Santiago, uma reforma tributária é urgente. “Praticamente todos os impostos que as empresas pagam hoje servem de crédito tributário para elas mesmas. Além disso, grande parte da arrecadação recai sobre impostos indiretos, como serviços”, diz Kremerman. Os especialistas também veem como natural uma reorientação do comércio exterior e uma aproximação com os países vizinhos do Mercosul no futuro. Essa não é uma prioridade, por enquanto. Atualmente, o Chile, que já tem acordos de abertura com 60 países, está em negociações para a Parceria Trans-pacífico, tratado que engloba os Estados Unidos, o México, o Japão e a Austrália, entre outros países.

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Com maioria no Parlamento – 68 cadeiras de um total de 120 na Câmara e 21 de 38 cadeiras no Senado –, a presidenta não deve encontrar dificuldades para a aprovação das reformas educacional e tributária. Para passar uma nova Constituição, contudo, ela precisa se livrar de mecanismos da atual carta, herdada de Pinochet, e negociar mudanças no sistema eleitoral com a oposição conservadora. Pelo menos, o aval dos mais esquerdistas Michelle Bachelet já tem. Esta é a primeira vez que o Partido Comunista compõe um governo desde a queda de Salvador Allende, em 1973.

fotos: Claudio Reyes/afp; Victor r. Caivano/afp photo