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Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Serviço Social de Comércio de São Paulo (Sesc-SP), queria ser padre. Para sorte da cultura nacional, desistiu do projeto trazido da infância, ao ficar órfão de mãe, em Campos, no Rio de Janeiro, e seguir os passos do irmão mais velho na Ordem Jesuíta. “Eu me achava um religioso exemplar. E tinha bem claro que estava recebendo o melhor tipo de formação que existia naquele tempo”, diz Miranda, hoje um dos maiores gestores culturais do País. “A educação e o acesso à cultura assumiram a diretriz da minha vida ali. E está em tudo que conduzo hoje no Sesc.” Muito próximo das Juventudes Católicas, Santos de Miranda cedeu aos ventos revolucionários dos anos 1960 – ele estava no meio de um voto de silêncio de 30 dias quando soube do golpe – e deixou os estudos clericais para conhecer o mundo lá fora. “Não sabia preencher um recibo. Nunca tinha lidado com dinheiro.Vivia num ambiente onde se ouvia Debussy, se lia Kierkegaard e, quando se precisava de qualquer coisa, bastava ir até a coisa e pegar.”

O desafio de aprender a lidar com o dinheiro levou o ex-noviço a prestar o concurso no Sesc, onde desenhou uma carreira luminosa. Há 30 anos à frente da instituição, o homem com o maior orçamento destinado à cultura hoje no País – 1,6 bilhão, que o MinC só ultrapassa usando as leis de incentivo – recebe os que o procuram (o pensador italiano Domenico De Masi, o filósofo francês Edgar Morin ou a equipe de reportagem da ISTOÉ) na mesma sala de um complexo de lazer e atividades culturais gratuitas incrustado na zona leste de São Paulo, o Sesc Belenzinho, uma das 34 unidades da instituição no Estado. O antigo escritório, na avenida Paulista, está sendo reformado para atender o público, porque, para ele, não faria sentido usar uma área tão nobre e acessível da cidade apenas para deliberar.

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Hoje, Santos de Miranda é chamado para dar palestras sobre gestão cultural em todo mundo. É conselheiro da Fundação Itaú Cultural, da Fundação Padre Anchieta e  do Museu de Arte Moderna de São Paulo. No Exterior, é membro da Art for the World, com sede na Suíça. Ao participar da Bienal de Denver este ano, a direção teve de achar tradutor simultâneo às pressas, pois Santos de Miranda decidira discursar sobre as questões dos países “do Sul” em uma língua do Sul, o português. O que todos queriam saber sobre os segredos da programação de cursos e espetáculos do Sesc, citado pelo jornal “The New York Times” como um exemplo a ser seguido pelos países europeus em crise? A fórmula, claro. “Mens sana in corpore sano”, como aprendeu na escola jesuíta. “Não restringimos o pensamento cultural às atividades artísticas. Por isso o esporte e a alimentação se tornaram modelos cruzados com as ações de arte e formação”, diz o executivo, que participou da criação do projeto do Fome Zero e foi vice-presidente do ICSW – Conselho Internacional de Bem-Estar Social de 2008 a 2010.

Sob a sua administração o Sesc ganhou o apelido de “nosso verdadeiro Ministério da Cultura” porque, na prática, cumpre parte do que se espera do governo de oferta cultural acessível (com ingressos gratuitos ou a preços simbólicos). No ano passado, só no Estado de São Paulo, a instituição realizou cerca de 20 mil apresentações, entre espetáculos teatrais, de dança, de música e exibições de cinema. E o detalhe é que nenhum teatro ou galeria do Sesc fica a dever aos aparelhos culturais públicos do Estado. Pelo contrário, são todos excelentes espaços de fruição cultural, para quem tiver paciência de enfrentar a fila pelos ingressos (inclusive online). Esse é outro item importante: as entradas se esgotam rápido, não só pelos preços, mas também pela qualidade artística de sua oferta, com grande apoio para a produção nacional, o que também sempre se espera da cultura pública.

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Em 2011, na primeira crise da ex-ministra Ana de Hollanda, a Casa Civil recebeu um abaixo-assinado organizado por Fernanda Montenegro que começava com o seguinte texto: “ Um sonho acalentado por muitos artistas e produtores culturais brasileiros é o de ter no Ministério da Cultura um grande gestor com experiência na área.” Santos de Miranda desconversa: “Nunca recebi tal convite, nem pretendo me candidatar a esse cargo. Entendo o desejo de que a política de alcance social que construímos no Sesc se estenda para o cenário público do País, mas são situações muito diferentes”. De fato, é tudo bem diferente. A começar pelo orçamento. O Sesc vive de uma determinação da primeira metade do século passado, segundo a qual 1,5 % de toda a folha de pagamento das empresas de serviços e comércio se destina à instituição. No ano passado, foram pouco menos de R$ 1,5 bilhão, dos quais, R$ 200 milhões absorvidos diretamente por espetáculos. “Mas não estão contados aí os investimentos como infraestrutura, ampliação e criação de novas unidades, a manutenção e a mão de obra para a realização de apresentações”, diz ele, cuja visão de cultura é tão vasta quanto a verba que hoje sabe distribuir com senso jesuítico.

foto: João Castellano/agência istoé; divulgação