O pianista Mike Garson entra no palco, toca os primeiros acordes e a platéia de apenas 250 pessoas presentes no Manhattan Studios Center, em Nova York, tenta identificar qual é a música. Dá urros ao notar que é Life on Mars? O momento então é de David Bowie cantar os primeiros versos. Só que algo estranho acontece. O vocal agudíssimo com o qual o cantor e compositor inglês ficou mundialmente conhecido em 1972 não passa agora de uma leve voz seca, sem força. Mesmo assim é aplaudido de pé, frente às câmeras do canal pago VH-1, responsável pela organização e gravação do show exclusivo. Seguem mais 14 músicas, cinco das quais do novo álbum "hours…", previsto para ser lançado mundialmente em 5 de outubro. Cada uma das canções é intercalada por histórias bizarras e hilariantes de Bowie sobre sua vida, passada no mundo das drogas, do rock’n’roll, das artes plásticas e agora mais recentemente na Internet. A conclusão, no entanto, depois de uma hora e meia de espetáculo, é de que o maior cantor vanguardista do mundo pop, autor de obras-primas como Heroes, Scary monsters e Outside, está com a voz bastante enfraquecida. Sinal de que seus 52 anos de idade o pegaram pela garganta.

Bowie não fazia um show apenas seu desde novembro de 1997, quando encerrou a excursão mundial de divulgação do álbum Earthling. A apresentação gravada para a série VH-1 Storytellers ocorreu no dia 23 de agosto passado para um público seleto e sortudo, já que o site oficial do artista na Internet, a BowieNet, através de sorteio convidou 50 fãs de todo o mundo (leia quadro). Muitos se decepcionaram, mas não se surpreenderam com a perda da potência vocal do artista, vagamente perceptível em rápidas participações realizadas no início do ano, entre elas a parceria com a banda inglesa Placebo na entrega do Brit Awards, em Londres. O show de Nova York foi inicialmente planejado para ser um daqueles acústicos, mas Bowie mudou os planos. Eletrificou tudo, convidou os guitarristas Reeves Gabrels e Mark Plati e a baixista Gail Ann-Dorsey, e tentou disfarçar seus problemas vocais com arranjos à la Tin Machine, a banda de rock pesado que o acompanhou no final das décadas de 80 e início de 90. Infelizmente não teve jeito. A prova de fogo veio com a canção Word on a wing, de 1976. Quem viu a performance no Manhattan Studios não ouviu nem um décimo do que o artista era capaz há dez anos.

Aparentemente, o principal motivo do abalo vocal é o excesso de cigarro, sem contar as carreiras de drogas de décadas passadas. Fumante inveterado, mal sentou-se frente ao microfone, Bowie já foi brincando: "Vejamos, temos aqui o cinzeiro, o chá. É, está tudo ok", disse, arrancando risadas da platéia. Começou a cantar e fumou sem parar. Este show vai ao ar nos Estados Unidos dia 18 de outubro. No Brasil, só Deus sabe se um canal irá comprar os direitos de transmissão. Bowie aceitou o convite do VH-1 claramente para divulgar "hours…" e o relançamento de toda sua discografia. O novo álbum – que estará inteiramente disponível na Internet, em 21 de setembro, duas semanas antes do lançamento oficial – mistura faixas com forte influência soul, como Thursday’s child, escolhida para ser o hit, com outras mais pesadas, a exemplo de The pretty things are going to hell. Esta última faz parte da trilha sonora do filme Stigmata, encontrável em lojas de discos importados. Bowie quer a todo custo conquistar o público jovem. Pode ser difícil. A média de idade das pessoas presentes na gravação era de 30 anos. Também viam-se casais de 50. "hours.." é dançável, tem letras e arranjos criativos e outra vez conta com a guitarra nervosa de Reeves, agora sobrepondo-se à voz do camaleão. Ironicamente, é David Bowie quem pergunta na faixa Survive: "Who said time is on my side?" (quem disse que o tempo está do meu lado?). Qualquer relação com Mick Jagger e a incansável energia do líder dos Rolling Stones não é mera coincidência.

 

Fanatismo via Internet

Fãs obsessivos de David Bowie quase não têm descanso. Pelo menos no Brasil, seus dias nunca terminam antes de uma visita à BowieNet (www.davidbowie.com), homepage criada em 1997, que nos Estados Unidos e na Inglaterra também funciona como provedor de acesso à Internet. Pois foi através da BowieNet, à qual é associado desde sua criação, que o editor-assistente de Economia & Negócios de ISTOÉ László Varga, 36 anos, teve o privilégio de ser o único brasileiro presente na gravação do show fechado do roqueiro, em Nova York. Contrariando as expectativas dos mais aflitos, na noite do sorteio dos ingressos Varga só conectou o site depois de ter seu nome anunciado entre os 50 ganhadores do cobiçado ingresso. "Quando entrei no chat que divulgaria ao vivo os vencedores, as pessoas vieram efusivas me cumprimentar. Achei que fosse trote", recorda ele. Não era. László Varga embarcou para Nova York, onde ficou apenas quatro dias, e sentou-se orgulhoso na platéia exclusiva.

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Um lugar merecido, diga-se. Entre seus outros trunfos de fanático ele guarda toda a discografia oficial do roqueiro, 15 discos piratas e dois itens raríssimos: um compacto em vinil com a versão reduzida de Young americans e outro com a música Crystal japan, tema instrumental que Bowie compôs para um comercial de sakê. Como todo bowiemaníaco, László Varga – que começou a se interessar pelo trabalho de David Bowie em 1980 – traz uma história extravagante no currículo. Em 1989, numa viagem à fantástica cidade italiana de Florença, viu num jornal o anúncio de um show do cantor em Paris e não pensou duas vezes. Separou-se dos amigos, mudou o roteiro e partiu para a França. Paixão de fã não tem limites.

Ivan Claudio


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