chamada_montenegro.jpg
PINCEL E VIOLÃO
Oswaldo Montenegro em seu apartamento no Leblon: levou seis anos para pintar, mas o tédio continua

Entrar no apartamento do cantor e compositor Oswaldo Montenegro, no Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro, é como cair dentro de um quadro expressionista abstrato. Tintas coloridas parecem deslizar pelas paredes, pelo teto e chão, pelos móveis e até eletrodomésticos. “Pinto cantando, dançando, gritando, pulando”, diz o artista, que levou quase seis anos para gotejar todo o ambiente de cores. Por que fez isso? “Porque gosto do caos. Porque isso significa o desquite da realidade, da qual tenho pânico. Porque a vida fora da arte fica  insuportável. E é minha única chance de não ir para o hospício.” Foi degustando uma taça de vinho e fumando uma cigarrilha que Oswaldo Montenegro mostrou seu curioso apartamento à ISTOÉ – com cadeiras, mesa, micro-ondas, violão, geladeira, cortinas, relógios, espelhos, etc. lanhados por tinta acrílica – e falou, com muita naturalidade, que não bate bem da cabeça. “Na verdade, eu sou retardado mental. Esse veredicto foi dado por uma junta de oito psicólogos. Sou considerado incapaz para algumas coisas e superdotado para outras, mas não tenho a camada intermediária. Não conheço o aprendizado.”

“Sou retardado mental. Sou considerado incapaz para algumas coisas e superdotado para outras”
Oswaldo Montenegro, cantor e compositor

O diagnóstico, que a maioria das pessoas faria o possível para esconder, veio há muitos anos, ao tentar tirar uma carteira de motorista – o que jamais aconteceria. Autodidata na música, ele aprendeu a tocar diversos instrumentos sozinho, mas não consegue executar os procedimentos básicos de um computador. Mantém blog, Twitter e páginas em sites de relacionamento, porém escreve tudo à mão e a ex-mulher, a flautista Madalena Salles, é quem passa o material para a internet. Com 38 CDs gravados, 15 peças musicais e mais de 40 trilhas sonoras para tevê, cinema e balé, o cantor tem uma respeitável média anual de público de 300 mil pessoas. É amado e odiado: “Essa é a glória do artista. A crítica, porém, tem sido muito generosa comigo de três anos para cá. Venho até ganhando prêmios”. De fato, seu musical “Filhos do Brasil” foi contemplado este ano com as estatuetas de melhor espetáculo, direção, iluminação e trilha sonora no XVI Festival de Teatro do Rio. Carioca, 53 anos, ele mantém a mesma cabeleira farta e longa – hoje, bastante grisalha – de quando estourou com a música “Bandolins”, há exatas três décadas, ao ganhar o Festival de MPB da extinta TV Tupi e, ato contínuo, também vencer o Festival MPB Shell, da Rede Globo, com “Agonia”. Essas músicas, somadas a “Léo e Bia”, “Lua e Flor” e “Intuição”, são alguns de seus clássicos. Para comemorar os 30 anos de carreira, Oswaldo Montenegro lança o CD e o DVD “Quebra Cabeça Elétrico”, faz o mesmo com o musical “Filhos do Brasil” (com sua recém-criada Cia Mulungo) e também estreia como diretor e roteirista de cinema na adaptação de “Léo e Bia”.

“Eu gosto do caos. É a minha única chance de não ir para o hospício”
Oswaldo Montenegro, cantor e compositor

O filme, com forte apelo jovem, se desenvolve na década de 70 e aguarda apenas investimento para distribuição. É estrelado por Paloma Duarte, com quem Montenegro foi casado por seis anos e de quem está separado há seis meses – nutre por ela enorme admiração. Embora afirme que não é mais apaixonado. “É uma imensa alegria e honra conviver com um ser humano como ela”, diz ele. Problema sério, para o cantor, é estar de férias. “É insuportável. Faço outras coisas, como pintar a casa, para não me jogar pela janela”, diz Montenegro, que mora no 17º andar. Certa vez, ele chegou a mudar de identidade na tentativa de afastar o tédio. Cortou o cabelo, raspou a barba, se reinventou como Sérgio Antunes (um sociólogo) e mudou para o Espírito Santo. Desistiu três meses depois: “Vi que sendo outro eu continuava sendo eu mesmo. Então, voltei.” Apesar de lotar sua biografia com tantas estranhezas, Oswaldo Montenegro é tranquilo, não usa drogas e vive cercado de afeto. O diagnóstico médico, que poderia tê-lo aniquilado, é ignorado: “Não tenho vaidade por ser superdotado e nem complexo por ser retardado.”  Vive sem agonia.

Lua e Flor, de Oswaldo Montenegro