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O homem que pode abalar o Palácio dos Bandeirantes. Assim integrantes da força-tarefa responsável pela apuração do propinoduto tucano descrevem Everton Rheinheimer. A definição atribuída ao ex-diretor da divisão de transportes da Siemens não está relacionada apenas às suas mais recentes revelações ao Ministério Público, que fizeram com que o escândalo chegasse à cúpula tucana. Além de ser uma testemunha que acompanhou de perto toda a tramoia, Rheinheimer, na condição de dirigente da empresa alemã, era um dos expoentes do esquema. Reunia-se com lobistas, transitava com desenvoltura entre autoridades da CPTM e do Metrô e, segundo relato dele a interlocutores, chegou até a distribuir propina a mando da Siemens e com o conhecimento e o aval de políticos do PSDB.

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O CARA
O ex-diretor da Siemens reunia-se com lobistas, transitava entre
autoridades da CPTM e do Metrô e até distribuía propinas

Ao longo de mais de duas décadas na Siemens, Everton Rheinheimer fez carreira até chegar à direção da bilionária divisão de transportes da companhia em 2001. A pessoas próximas, o ex-executivo narra que, ao participar de reuniões com autoridades do setor de transporte sobre trilhos, autorizar pagamento de propina e assegurar a participação da multinacional no cartel, ele apenas deu continuidade a uma prática recorrente na gestão de seu antecessor. A prática usual, mas nada lícita, era o único caminho para a Siemens conseguir amealhar contratos com o poder público, costuma dizer o ex-executivo. Sob sua gestão e com a ajuda dos lobistas Arthur Teixeira e Sérgio Teixeira, a Siemens sagrou-se vencedora de uma série de licitações que lesaram os contribuintes do Estado de São Paulo e do Distrito Federal. Foi com base nessa atuação e no que presenciou durante os governos de Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra (2001 a 2007) que Rheinheimer enviou, na manhã de 12 de junho de 2008, uma carta anônima, de cinco páginas, ao ombudsman mundial da Siemens. No documento, com 77 tópicos e seis anexos, o ex-executivo relatou as ilegalidades praticadas pela filial brasileira e suas concorrentes. Na carta e em depoimentos prestados ao Ministério Publico e à Polícia Federal, ele revela uma lista extensa de políticos e servidores corrompidos pela Siemens, entre eles os secretários estaduais Edson Aparecido (Casa Civil), José Aníbal (Energia) e o deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP). O informante relata ainda o “estreito relacionamento” entre o principal lobista do cartel, Arthur Teixeira, e os também secretários Jurandir Fernandes (PSDB) e Rodrigo Garcia (DEM), além do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), o deputado federal Walter Feldman (PSB-SP) e o deputado estadual Campos Machado (PTB). Segundo o ex-executivo, o propinoduto abasteceu o “caixa 2 do PSDB e do DEM”. Todos os políticos negam envolvimento com as irregularidades.

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PARCERIA
O lobista Arthur Teixeira, o diretor da CPTM, José Luís Lavorente, e o secretário
Jurandir Fernandes (da esq. para a dir.): segundo o informante, os três participaram do esquema

Para pessoas de seu circulo íntimo, Everton Rheinheimer alega que resolveu abrir o verbo porque teria se revoltado com a maneira como o esquema era operado. Seu estado de ânimo teria se transformado após ele, pela primeira vez, ter feito a entrega da propina pessoalmente. Em meados de 2006, sem poder contar com a ajuda dos portadores frequentes ou lobistas, o ex-executivo teve de levar uma mala de dinheiro a um político paulista. “Foi um constrangimento para mim”, disse ele a interlocutores. Daí em diante, resolveu registrar e colher provas das práticas ilegais do cartel dos transportes. A versão heroica do ex-executivo contrasta com relatos de diretores de empresas subcontratadas pela Siemens. Segundo um executivo de uma empresa que teria participado do esquema, Rheinheimer não se constrangia em cobrar as comissões. “O dinheiro é para a base aliada do governo do PSDB”, alertava sempre Rheinheimer, segundo testemunho da fonte ouvida por ISTOÉ. “Sem a grana, não tinha negócio, dizia ele”, acrescentou a fonte.

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Como ponta de lança do esquema, Everton Rheinheimer não teria dificuldades em reunir provas que incriminassem autoridades e políticos. Uma parte dessas provas já se tornou pública em reportagens publicadas por ISTOÉ desde julho. Entre elas, os contratos de fachada entre o conglomerado alemão e as consultorias radicadas em paraísos fiscais Leraway S/A e Gantown S/A, dos lobistas Sérgio Teixeira – morto em 2011 – e Arthur Teixeira. Este, indiciado pela Polícia Federal pelos delitos de corrupção ativa por subornar agentes públicos da área de transporte, lavagem de dinheiro e crime financeiro e alvo de bloqueio de bens por decisão da Justiça Federal. Também foram entregues por Everton, como ISTOÉ publicou com exclusividade, planilhas de saques da firma MGE de valores destinados a pagamentos a autoridades e cópias de contratos de serviços nunca prestados, segundo ele, firmados entre a empresa e a Siemens para esconder a origem da propina.

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Se há controvérsias quanto aos reais motivos que o levaram a detonar o esquema, o fato é que Rheinheimer só resolveu contar o que sabia um ano depois de a Siemens ser apanhada num dos maiores escândalos corporativos do mundo e lançar uma campanha para acabar com a prática de corrupção a agentes públicos em suas filiais em 2007. A carta enviada ao ombudsman da Siemens, no entanto, não teve o efeito que ele esperava inicialmente. Contrariado com o fato de a Siemens não levar adiante suas denúncias, o ex-executivo procurou a bancada do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo. Nos primeiros contatos, deixava documentos ou relatos das falcatruas em um local próximo à sede do Legislativo paulista e ligava de um orelhão, sem se identificar, para que assessores do partido buscassem a papelada. Os documentos serviram de base para uma série de representações da bancada petista endereçadas ao Ministério Público – a maior parte se refere a contratos das estatais paulistas hoje sob investigação. Meses depois, identificou-se e passou a municiar ainda mais os parlamentares do PT. Acompanhado do então deputado estadual Simão Pedro, chegou até a conversar com um promotor paulista, mas não quis prestar depoimento por temer represálias de pessoas ligadas ao cartel. Foi então que recorreu ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão ligado ao Ministério da Justiça responsável por punir crimes que afetam a livre concorrência de mercado, como o de cartel. A proximidade com autoridades o fez sonhar com voos mais altos. Segundo documento da PF, Rheinheimer teria sugerido trocar dados sobre o cartel por um emprego na mineradora Vale, o que não se concretizou. Mesmo sem o emprego, ele forneceu informações suficientes para que a instituição pressionasse a Siemens a fazer um acordo de leniência – em que, em troca de denunciar todo o esquema, garantia imunidade a si e a seus antigos e atuais executivos –, trazendo à tona, em julho, o escândalo do propinoduto tucano. Desde então, de acordo com pessoas próximas ao ex-executivo, a Siemens passou a pagar sua defesa e viagens à Alemanha para retirá-lo do assédio de jornalistas. A preocupação com cortejo é tanta que ele removeu fotos suas da internet e tem evitado ficar em casa.

Fotos: Leonardo Rodrigues/Valor/Folhapress; Julien Pereira/Fotoarena; MÔNICA ZARATTINI/AE


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