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“Dona Augusta?” “Me desculpe, mas não posso falar com ninguém”, responde, retraída, a senhora escondida atrás do muro da casa de classe média, na cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Até pouco tempo atrás, Augusta Aparecida Raymo Longo, mãe de Guilherme Raymo Longo, 28 anos, padrasto e principal suspeito da morte do menino Joaquim Ponte Marques, 3 anos, desaparecido na terça-feira 5 e encontrado morto no rio Pardo, no domingo 10, era facilmente encontrada conversando com algum conhecido da vizinhança no portão de sua residência. Agora, é mais cautelosa e não responde tão rapidamente quando ouve o seu nome ser chamado. Só fala depois de muita insistência e para defender o filho, em prisão temporária desde o domingo 10. Além de ter de lidar com a perda de Joaquim, que diz ter sempre tratado como um neto, precisa suportar o envolvimento do nome da família em um dos casos de maior comoção nacional dos últimos tempos. A morte da criança, uma tragédia por si só, causou também o desmoronamento não só de uma, mas de várias famílias: a de Guilherme Longo e Natália Mingoni Ponte, 28 anos, mãe da vítima e mulher dele, e a dos parentes dos dois lados. O casal está preso temporariamente e o sigilo telefônico de ambos e de parentes foi quebrado para obter informações que podem ajudar nas investigações, que começaram colocando o padrasto como possível responsável pela morte. A polícia acredita que Joaquim teria sido jogado no córrego Tanquinho, próximo à casa em que vivia com a mãe e o padrasto. Já se sabe que não houve afogamento e, portanto, o garoto morreu antes – seu corpo foi encontrado na região de Barretos, a 130 quilômetros de Ribeirão Preto. 

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COMOÇÃO
A casa de Guilherme Longo (acima) e Natália Ponte, padrasto e mãe de Joaquim (abaixo),
está inundada de cartazes acusatórios contra o casal e de mensagens
para a criança de 3 anos assassinada

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Longo foi ouvido pela polícia na quarta-feira 13. Ele afirma ser inocente e não saber o que aconteceu com o enteado. Também disse ter autoinjetado 30 doses de insulina – antes, havia falado em duas doses. Há suspeitas de que a criança, diabética, tenha morrido com uma superdosagem do medicamento. De acordo com o delegado responsável pelo caso, Paulo Henrique Martins de Castro, serão ouvidos familiares e testemunhas, mas a maior expectativa é pelo resultado do laudo que apontará se há alguma substância no corpo do menino (apesar de especialistas dizerem ser muito difícil encontrar insulina a essa altura, pois o organismo a metaboliza rápido). O documento está previsto para sair em 20 dias. “Precisamos saber o que motivou a morte e qual é o envolvimento exato da mãe e do padrasto em tudo isso”, diz Castro. Chama a atenção na investigação, segundo o delegado, a mudança de postura de Natália do primeiro para o segundo depoimento. “Antes, ela não falava sobre problemas na relação. Depois, admitiu que o companheiro era agressivo e lhe fazia ameaças.” A mãe de Longo, que é filho adotivo, rebate as acusações, apesar de o próprio ter reconhecido, durante testemunho na delegacia, ter sido agressivo com a esposa em algumas ocasiões. “Guilherme era muito amoroso com o enteado e com a mulher”, afirma Augusta. “Ele não seria capaz de fazer mal a ela nem ao menino, pois o tratava como um filho”, diz ela, que tem outros dois filhos adotivos. O pai, Dimas Raymo Longo, está ainda mais recluso do que a mulher. Câmeras flagraram o momento que ele saiu, na madrugada da terça-feira 5, durante quatro minutos de sua residência. Ele mesmo reconheceu que foi até a casa do filho, que mora distante uma quadra, de onde havia saído às 22h, pois estava preocupado. No domingo 3, Guilherme teria tentado se matar ao tomar uma dose muito alta de medicamentos, se internado e saído do hospital na segunda-feira 4. Seu pai estaria por perto para acompanhar a recuperação – várias pessoas ouvidas por ISTOÉ confirmaram que o casal Longo é superprotetor.

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O pai de Natália, Vicente Ponte, morador e dono de uma autoelétrica em São Joaquim da Barra, cidade distante 75 quilômetros de Ribeirão Preto, afirma nunca ter notado problemas na relação do casal. Ponte fica com os olhos marejados e engole seco ao falar sobre o assunto. “Estamos tentando seguir em frente, mas é tudo muito difícil”, diz. Sua esposa, Maria Cristina Mingoni Ponte, está à base de calmantes. “É um momento de desespero”, afirma o irmão de Natália, o arquiteto  Alessandro Mingoni Ponte. “Além da tristeza de perder o Joaquim, não conseguimos nos desligar pensando nela presa. Acreditamos cegamente que ela não tem envolvimento com a morte dele.”

 Natália conheceu Longo na comunidade terapêutica Santa Rita de Cássia 2, em Ipuã, a cerca de 105 quilômetros de Ribeirão Preto. Ela era psicóloga e ele fazia tratamento para se livrar do vício em drogas. “Natália trabalhava na autoelétrica de manhã com o pai e, à tarde, ia para a clínica, diz Carla Lopes, amiga da família. Pedro Souza, um dos atuais coordenadores da Santa Rita, que também fez tratamento na comunidade, diz ter entrado lá na mesma época em que o padrasto de Joaquim: novembro de 2011. “Conversávamos muito e ficamos amigos”, afirma. “Ele nunca causou nenhum problema.” Segundo Souza, foi em meados de 2012, já ao final do tratamento de Longo, que o rapaz e Natália começaram a se envolver. “Os dois foram fazer um curso de cinco dias em outra cidade. Ele ia ser monitor da clínica. Depois da capacitação, entraria em fase de estágio. Foi nessa viagem que eles se aproximaram.” O ex-interno ficou mais três meses como estagiário e decidiu sair para procurar um emprego na área de informática. Já Natália saiu de lá entre abril e maio deste ano, de acordo com o coordenador. “Ela estava grávida e ele a convidou para morarem juntos em Ribeirão Preto. Ela aceitou.” O filho do casal, Victor Hugo, tem hoje quatro meses e está com os avós maternos. Na mudança, Natália levou para viver na mesma casa com Guilherme o filho Joaquim, de outra união. Segundo o delegado que cuida do caso, a psicóloga ainda estava com o pai do menino, Artur Paes, quando se envolveu com Longo. Devastado com a perda trágica do filho, Paes, que acompanhou as buscas e foi ao enterro, está em sua casa, em São Paulo, à base de medicamentos.

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LUTO
Na escola Lacordaire, que Joaquim frequentava, a diretora Christinne
Magalhães (acima) pediu ajuda de psicólogos para trabalhar a morte
do menino. Abaixo, a avó materna Maria Cristina: desespero no velório

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A psicóloga e Longo começaram a morar juntos há cerca de seis meses. Mas, após a união, Natália decidiu ficar um tempo longe do companheiro e passou alguns dias na casa dos pais, em São Joaquim da Barra. “Ela não comentou com ninguém o que estava acontecendo, mas notamos que havia algum  problema”, diz o irmão dela, Alessandro. O delegado Castro confirma. “Natália pensou em se separar porque soube que ele estava usando drogas novamente. Por pressão da família, e de Longo, acabou voltando para Ribeirão com ele.” A relação não parecia ser tranquila, diz o delegado. No segundo depoimento da psicóloga, ela disse que ele a ameaçava constantemente e que tinha ciúme de Joaquim, por ser filho de outro homem. Teria agredido a companheira grávida e dito que iria atrás dela “até no inferno”, caso o deixasse. Chegou a ser agressivo mesmo durante a gravidez. O advogado de Longo, Antônio Carlos Oliveira, nega as acusações. “Ele não tinha ciúme de Artur. Somente uma vez, em que achou que o ex tratava Natália de maneira desrespeitosa, eles sentaram para conversar e resolveram a situação”, diz Oliveira, sem dar maiores detalhes.

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DOR
Natália se envolveu com Guilherme quando ainda era casada com Artur Paes (acima),
o pai de Joaquim, que saiu da capital paulista, onde mora, para acompanhar
as buscas do filho e agora vive à base de calmantes

No dia do desaparecimento de Joaquim, Natália disse à polícia que dormiu durante toda a noite e só se deu conta de que o filho havia sumido às 7h da terça-feira 5, quando foi aplicar insulina no garoto. O mesmo disse o padrasto, que naquela madrugada admitiu ter saído à procura de cocaína, mas voltou para casa após não encontrar a droga para comprar. Na escola Lacordaire, em que o menino estudava, os alunos começaram a fazer várias perguntas aos professores para tentar entender o que havia acontecido com o amigo. “Com auxílio de dois psicólogos, elaboramos algumas orientações e as enviamos aos pais para que eles também soubessem responder às perguntas sem assustar os filhos”, diz a diretora-geral, Christinne Magalhães. Um dos pontos do comunicado diz o seguinte: “Precisamos minimizar o impacto dessa tragédia em cada lar, não aumentando e remexendo a história.” No lar já devastado onde vivia Joaquim, não será possível seguir essa orientação.

Fotos: Kelsen Fernandes/Ag. Istoé; Sérgio Masson/Estadão Conteúdo; Firmino Luciano Piton; Piton/Futura Press; Weber Sian/A Cidade