O mais novo espetáculo da natureza no rio Araguaia tem como estrelas os botos. Esses mamíferos da família dos golfinhos – personagens de lendas, nas quais se transformam em rapazes galantes que seduzem mulheres virgens nas noites de lua cheia – já frequentaram a relação das espécies ameaçadas de extinção. Agora, protegidos pela fiscalização dos órgãos ambientais, sem predadores naturais e com farta alimentação proporcionada pelos peixes que fazem das águas do Araguaia uma das mais piscosas do País, os botos experimentaram uma explosão demográfica na última década. Em alguns trechos do Araguaia, durante a época de seca que vai de junho até setembro, podem-se encontrar grupos de até 50 na caça aos cardumes. A reportagem de ISTOÉ avistou um desses grupos próximo à cidade de Bandeirantes (GO). O ataque dos botos às suas presas é uma coreografia minuciosamente ensaiada. Primeiro, eles cercam os cardumes no meio do rio. Acuados, os peixes tentam refugiar-se nas partes rasas junto às margens. Na tentativa de fuga, os botos dão o bote. É o estouro dos cardumes. Os peixes pulam para fora d’água, saltam pelos ares e dançam um balé natural.

A superpopulação de botos pode deleitar o mais exigente amante da natureza, mas está provocando desequilíbrios ecológicos graves. Cada boto alimenta-se de 30 a 35 quilos de peixes por dia. Algumas espécies já estão desaparecendo do Araguaia. "Está havendo uma diminuição da diversidade da fauna aquática do rio, que é diretamente relacionada à explosão do número de botos", constata o biólogo Leandro Gonçalves, professor de Zoologia da Universidade Federal de Goiás. Este é, porém, apenas um dos problemas que estão causando alterações no ecossistema do Araguaia. Há outras ameaças muito mais sérias. O desmatamento e a ocupação desordenada das nascentes e margens do rio aumentaram a velocidade de assoreamento do Araguaia. Desde 1975, grandes projetos de cultivo de soja e milho começaram a se implantar, sem nenhum controle, na planície ao longo do rio. Mais de 60% das matas ribeirinhas, que deveriam ser de preservação obrigatória, já foram destruídas pela agricultura extensiva.

Voçorocas – Sem as matas, os efeitos da erosão causada pelas chuvas e pela corrente do rio e seus afluentes aumentaram exponencialmente. A situação é particularmente grave na região do Alto Taquari (MT), um planalto onde estão as nascentes do Araguaia. Por causa da utilização de equipamentos pesados no preparo do solo para o plantio de soja, a erosão já formou voçorocas que são verdadeiros minicânions – valas ao longo do rio que chegam a ter cinco quilômetros de extensão, 70 metros de largura e 50 metros de profundidade. O volume de terra em uma voçoroca com esse tamanho daria para encher 4,37 milhões de caminhões de areia. Toda essa terra acabou sendo arrastada para o rio, o que aumentou o assoreamento e diminuiu a vazão de água. A cada ano, o Araguaia está ficando mais raso e mais largo. Para agravar este quadro, as chuvas este ano foram menos intensas. O volume d’água foi um terço do habitual. "É preciso chamar a atenção para essa realidade, porque senão o rio estará ameaçado de uma morte lenta", diz o jornalista goiano Márcio Fernandes, especialista em meio ambiente. Fernandes está organizando uma expedição que, no final de setembro, vai percorrer de barco os 2.115 quilômetros do Araguaia, de Aragarças, na divisa entre Goiás e Mato Grosso, até Marabá (PA). Durante 20 dias, a equipe da expedição vai fazer um documentário que deverá ser exibido em todo o mundo e organizar um banco de imagens inédito sobre o Araguaia.

Praias – Paradoxalmente, a beleza do rio ajuda a ocultar a degradação em marcha do Araguaia que o projeto de Fernandes quer denunciar. Nos meses de seca, os bancos de areia cada vez maiores por causa do assoreamento formam lindas praias. Nas férias escolares de julho, as margens do Araguaia ficam apinhadas de acampamentos de todo tipo – há desde meros ajuntamentos de barracas até sofisticadíssimos campings que oferecem os mesmos serviços dos hotéis: camas de casal, restaurantes, bares e até discotecas. "Se deixo de ir ao Araguaia, fico estressado", conta o empresário Horácio Santana de Paula, dono de uma indústria de plásticos em Goiânia e de uma bela casa com piscina às margens do rio. O empresário, a mulher e os três filhos, estudantes universitários no Rio e em São Paulo, batem o ponto em Aruanã (GO), um dos principais points turísticos do Araguaia. "Qualquer folga que eu tenho em São Paulo, venho para cá. Desde a infância, passo as férias nesse rio", diz Ramon Jácomo, estudante de Odontologia, um dos filhos do empresário.

 

Tuiuiús – A diversão dos turistas inclui passeios de barcos, pescarias e corridas de jet ski nas calmas águas do rio. Nos bancos de areia e nas praias, o banho de sol é a principal opção. Mas não faltam atrativos para quem gosta de observar animais em seu estado selvagem. É possível apreciar tartarugas, capivaras, aves exóticas, como o gigantesco tuiuiú, e macacos saltando de galho em galho. Em Aruanã, a festa não acaba com o pôr-do-sol. Durante a temporada, a cidade fervilha com milhares de pessoas em seus bares e boates. A agitação deve aumentar. O governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), prometeu investimentos para a construção de um aeroporto em Aruanã com o objetivo de incrementar ainda mais o turismo no Araguaia.

Se não houver um monitoramento, o aumento do turismo poderá ser mais um fator de degradação. Hoje, a Fundação do Meio Ambiente do Estado de Goiás ainda consegue manter controle sobre o lixo produzido pelos turistas ao longo do rio. Barcos percorrem diariamente os acampamentos para fazer a coleta. Na temporada do próximo ano, a fundação quer implantar a cobrança de uma taxa dos acampamentos para melhorar o serviço de limpeza. Além dos investimentos do governo de Goiás na construção de aeroportos, há outros programas oficiais que causam polêmica. O Ministério dos Transportes tem, por exemplo, um projeto para escoar grãos por meio de uma hidrovia no Araguaia e no rio Tocantins. A hidrovia ainda nem saiu do papel e já provoca disputas entre os ambientalistas e produtores rurais. Um primeiro relatório de impacto ambiental da obra foi rejeitado pelo Ibama. O governo federal preparou um segundo estudo. Antes mesmo de ser analisado pelo Ibama, o documento já está sob fogo cerrado do Ministério Público Federal. Os procuradores de Goiás, Mato Grosso e Tocantins prometem embargar a obra, caso não fique comprovado que a hidrovia não causará prejuízos ao meio ambiente e às oito comunidades indígenas que habitam as margens do Araguaia.